terça-feira, 26 de dezembro de 2006

A gênese do gênero

A gênese do gênero *

O princípio não é o verbo, é o movimento



O feed back dos leitores é essencial para rever as matérias publicadas e para pautar as seguintes. Recebi um e-mail alertando sobre minha desatenção quando, na matéria O Abaporu deles, falei sobre um Manual de Redação do Pornô porventura definido a partir dos pioneiros Garganta Profunda e Atrás da Porta Verde (1972), O Diabo na Carne de Miss Jones (1973) que, embora sejam filmes pornô hetero, teriam estabelecido os parâmetros para os gêneros sucedâneos, inclusive o pornô gay. O leitor me informou sobre Boys In The Sand (Wakefield Poole, 1971), como sendo o filme que poderia, de fato, ter estabelecido esse Manual. Sendo assim a história fica completamente invertida: teria sido um filme pornô gay que estabeleceu os parâmatros para os gêneros sucedâneos, inclusive os pornô hetero e bisexuais, pois o filme de Poole antecedeu em pelo menos um ano todos aqueles três filmes citados. Felizmente ele não contesta o que considero mais importante, a conjunção de variados fatores que favoreceram o surgimento do filme de sexo explicito como gênero autônomo e popular no início dos anos de 1970.

A idéia de escrever um Manual é controversa e deixa supor que existe um ou vários padrões de construção de um filme do gênero pornô, um fundamento, um esquema básico, a partir do qual se faz e se entende a imensa variedade de subgêneros, sendo o pornô gay apenas um dos galhos dessa árvore evolutiva. Esse Manual, de um modo geral já existe, é qualquer um de teoria cinematográfica. Alguns diretores podem não ter conhecimento dessas teorias, mas Wakefield Poole com sua sólida formação artística e carreira não pode ser considerado um diretor intuitivo, muito menos Jim, o fratricida dos irmãos Mitchell, produtores e diretores de Atrás da Porta Verde, ele estudou cinema enquanto serviu no exército americano e era declaradamente fã de Jean-Luc Godard. Embora alguns tenham entrado no negócio sem uma prévia formação, Gerard Damiano, por exemplo, diretor de Garganta Profunda e O Diabo na Carne de Miss Jones, era dono de um salão de beleza em Nova York; diretores com Jim Mitchel, Poole (coreógrafo, dançarino, performer), Steve Scott (egresso da Universal Studios) e Arch Brown (dramaturgo) reforçam, pelo menos em parte, uma gênese não-casual do gênero; esses diretores viram as produções eróticas da época, acreditaram que podiam aperfeiçoá-las e conseguiram.

Embora naquela matéria eu tenha levantado a questão, acho irrelevante a necessidade de um Manual específico, pois se o cinema é autoexplicável, sexo é muito mais. Se aprende a fazer fazendo. O padrão básico que distingue o pornô é o tripé chupada, metida e gozada, quase invariavelmente nessa ordem, e vai aparecer mesmo entre 1970 e 1972 em filmes gays e heteros. Se os realizadores chegaram a esse resultado de uma forma consciente ou por mero acaso não altera o prazer do espetáculo que apreciamos há mais de trinta anos. Esse tripé que diferencia os filmes softporn dos hardcore transita da tela para a "vida real" como o personagem de Jeff Daniels em A Rosa Púrpura do Cairo (Woody Allen, 1985).

A humanidade sempre fornicou mas os filmes pornô ajudaram a aperfeiçoar a prática. Preciso de mais dados pra afirmar com certeza que o sexo oral não era um hábito tão popular antes desses filmes terem incluído o fellatio, anilingus e o cunillingus como as estrelas das preliminares em substituição ao beijo na boca. Desconfio que a manipulação do tempo na edição dos filmes contribuiu para prolongar a duração do intercurso sexual dos casais. Uma das grandes novidades do filme de sexo explícito foi a ejaculação fora do corpo, ao mesmo tempo nenhuma novidade; o coitus interruptus é um método contraceptivo arcaico que, no pornô, ganhou grande o efeito expressivo nos jatos de esperma que são o chafariz cinematográfico que tantos filmes aludiram, como a Fontana di Trevi de La Dolce Vita (Fellini, 1960) e os ambientes molhados no qual Esther Williams atuou em tantos filmes memoráveis. O orgasmo e a ejaculação masculina dificilmente podem ser simulados; não podem ser um truque porque o closeup (proximidade) projetado na tela (ampliação) não permitem. O ator do filme de bangue-bangue não sangra nem morre de verdade, o sangue dele é ketchup; o sangue que o ator do filme pornô dá pelo espetáculo é verdadeiro, pálido, viscoso e tem gametas. Ali se goza pelo espetáculo da câmera, para o prazer ao público, nem tanto pelo parceiro. Criou-se a ejaculação protagonista com trezentos milhões de espermatozóides figurantes; comparativamente, Ben-Hur (William Wyler, 1959) tinha apenas oito mil figurantes.

Estabelecer quem foi o pioneiro do filme de sexo explícito como o conhecemos hoje não era o assunto principal daquela matéria sobre Barebacking with Jeff Palmer-Volume 3 mas a atenção do leitor aos assuntos secundários merece resposta prioritária. Durante muito tempo, para mim e para muita gente, Poole e sua obra foram apenas citações vagas. Os filmes dele foram relançados numa caixa contendo ainda Boys in the Sand II (1986), Bijou (1972) e vários bônus. Para me certificar do que afirmava o leitor assisti Boys In The Sand. Um dia escreverei uma materia só sobre este filme, adianto que é mesmo surpreendente, um pornô gay lisérgico, uma obra fundamental para história do próprio cinema com algo mais que justifica a importância que tantos críticos lhe deram. Desses filmes que surgiram quase ao mesmo tempo, o que ficou deles foi muito mais o seu modelo do que eles próprios; mesmo assim, essas relíquias devem ser vistas ao lado da produção atual de filmes que expandem a linhagem pornô para a midia digital e para a internet.

Quem estiver interessado em saber como eram os filmes de sexo explícito gay antes dos anos de 1970 deve assistir pelo menos os primeiros dos 12 volumes da coletânea Gay Erotica from the Past, neles está ausente o tripé que aludi acima. Essa coletânea revela, em ordem cronológica, um patrimônio audiovisual muito rico, apresentado por um senhor circunspeto que discorre com ar professoral sobre os filmes softporn e naturistas de outra época. Ele tem atrás de si, como cenário, uma estante com livros, certamente é um esforço para negar o conteúdo pornográfico e dar à coletânea uma seriedade quase didática com a qual se tenta escapar da fúria inquisitória dos censores americanos. Embora risível, esse ardil é necessário por lá; para nós, brasileiros, é particularmente picaresco porque o senhor barbudo se parece, fisicamente, com Enéas, o político conservador do PRONA.

Há também os filmes do estudio sexagenário Athletic Model Guild - AMG lançados em DVD como, por exemplo, Story Film Classics: The Wild Ones, uma coletânea que reune vários curta-metragens (entre 10 e 20 minutos) produzidos entre as décadas de 1950-1970 dirigidos pelo lendário Bob Mizer (1922-1992), cuja biografia foi lançada em livro e virou filme intitulado Beefcake (Thom Fitzgerald, 1998). Os primeiros contam histórias simples de homens que se encontram e por qualquer motivo discutem, brigam, tiram a roupa ficam usando apenas um tipo de tapa-sexo, como dizem, a tiny g-string called a posing-pouch que eram feitos pela mãe de Bob, Delia Mizer! Os últimos filmes da coletânea mostram alguns modelos posando, entre eles Jim Cassidy, Avery Heath e Ramon Gabron, todos lindos, com ar de nostalgia. Não há ereção nem sexo, o que há de excitante, nestes filmes, são as lutas que simulam o ato sexual e são um prelúdio do que estaria nas telas dentro de poucos anos.

O cinema surgiu como registro da realidade, mais pra documentário do que para ficção. Quando foi exibido L'Arrivée d'un Train à La Ciotat, um pequeno filme de 50 segundos, rodado por Louis Lumière, um dos irmãos criadores do cinematógrafo, o pânico foi tamanho que vários espectadores tentaram fugir da sala temendo serem atropelados pelo trem. Frère Lumière apenas havia registrado um trem que vinha de Marselha que, na tela, parecia vir em direção à platéia. É essa sensação intensa de realidade, que só o cinema proporciona, que os diretores se apropriarão pra provocar sensações físicas e psiquicas nas platéias; o pornô vai provocar o gozo sexual. Desconhecida antes da invenção do cinematógrafo pelo público e pelos artistas, tal tipo de representação foi uma das causas que deflagrou a revolução modernista nas artes. Sobretudo, porque nos interessa mais, ela proporcionou prazer aos nossos antepassados em filmes curtos produzidos inicio do século XX, que eram considerados tão acintosos para a sociedade puritana da época que foi preciso inventar um tipo de controle para evitar os escândalos. Assim nascia a censura cinematográfica e as formas de enganá-la, o filme erótico, que ainda nem era de sexo explicito, não foi transgressor até o momento em que a sociedade lhe impôs limites.

O filme de sexo não abraça a motivação nem a originalidade criativa como valores supremos tanto quanto as outras artes, nesse aspecto se aproxima mais do registro científico, que se ocupa em registrar quantitativamente e precisamente o fenômeno. Já disse aqui antes que o pornô é um tipo particular de documentário; se suas taxas hormonais estiverem baixas pode parecer completamente desinteressante; homens jovens são seu público consumidor e produtor por excelência. O documentário e todos os gêneros cinematográficos de ficção, baseados na literatura, se estabeleceram antes da década de 1930, ao mesmo tempo que se estabeleceram os mecanismos de controle moral das películas, com exceção do filme de sexo explícito autônomo e popular, que é dos anos de 1970. Os gêneros cinematográficos não se manifestam de forma pura, sempre são híbridos, (comédia + drama; wertern + musical + ficção científica), o de sexo explicito não é exceção, entretanto, este, quanto mais puro melhor.

Não há sexo explicito na literatura, embora as palavras possam descrever o coito minuciosamente, na literatura há erotismo, nudez e sexo. Nem há em outro qualquer gênero artístico, embora se constate que nos anos em que o filme de sexo explícito surgiu os artistas estavam buscando expandir as "portas da percepção" por qualquer meio, químico, físico ou espiritual rumo ao infinito, absoluto, indizível. Em qualquer uma daquelas artes o sexo aparece como metáfora, raramente é o sexo em si mesmo, sem transcendência, na essência do movimento mecânico. O princípio do pornô não é o verbo, é o movimento, a ação. Não há o sexo explícito nos demais gêneros artísticos por limitada possibilidade cinética destes. Embora possível, no cinema convencional está ausente por conta o academicismo que ainda persiste entre os produtores e consumidores da produção artística de ranço erudito. No cinema dito alternativo, que tenta se desapegar da erudição, o sexo explícito também está ausente por conta da persistência da tradição e moral. No gênero pornô, que é ao mesmo tempo, realidade e representação, alternativo e convencional, o sexo é movimento, imprescindível, sincronizado com os 24 quadros por segundo. Um fotograma isolado de uma cena de sexo explicito é como uma borboleta presa na bandeja por um alfinete, linda e estática. Se eu fosse purista defenderia a tese de que o cinema deveria ser mudo, preto e branco e de sexo explicito. Como não sou admito o som e a cor, mas não dispenso o sexo.

*Esta é a primeira matéria escrita exclusivamente para este blog. Todas as anteriores foram publicadas no Portal GLX.



The Wakefield Poole Collection: 1971-1986
Estudio: Mercury Releasing, TLA Video
Duração: 365 min.
Diretor: Wakefield Poole
EUA, 2002

Gay Erotica From the Past
Estúdio: Pleasure Productions
12 Volumes
Vários Diretores
EUA
Story Film Classics: The Wild Ones
Estudio: Athletic Model Guild - AMG
Duração: 150 min
Diretor: Bob Mizer (Robert Henry Mizer)
EUA, 2006

sexta-feira, 17 de novembro de 2006

O Abaporu deles

O Abaporu deles*

Argentino devorador de homens


Quando acabamos de ver Barebacking with Jeff Palmer-Volume 3: Gang Fucked temos a certeza de que o que era hard ficou harder. O filme não tem as mesuras nem as preliminares admitidas num hipotético Manual de Redação do Pornô porventura estabelecido pelos pioneiros dos anos de 1970 (Garganta Profunda e Atrás da Porta Verde, ambos de 1972; Diabo na Carne de Miss Jones, de 1973) que, embora sejam filmes pornô hetero, estabeleceram os parâmetros para os gêneros sucedâneos, de sexo explicito, autônomos e populares.


Segundo algumas fontes, Jeff Palmer, nasceu em Los Angeles, Califórnia (USA), em 1975, e seu nome de batismo é David Zuloaga. Pelo sobrenome, pode até ser descendente do pintor basco Ignácio Zuloaga. Outras fontes informam que ele nasceu na Argentina (o sotaque do argentino falando inglês é malvino), morou no Uruguai e no Brasil. Confirmada a origem portenha de Jeff, ele seria o Abaporu deles, o comedor de homens, e, como tal, o melhor comedor de homens do mundo - a humildade portenha não admite menos. Não é um novato e talvez dispense apresentação.

Com pouco mais de 30 anos, a biografia de Jeff ainda esta sendo escrita e com as tintas mais fortes da paróquia de São Telmo. Ele é, sem duvida, um dos maiores astros pornôs de todos os tempos, tendo passado pela mitológica produtora Falcon e pela Chi Chi LaRue. Barebacking with Jeff Palmer-Volume 3 é da produtora SX Video, onde ele fez outros os volumes 1 e 2 da série e outros títulos já reunidos em Jeff Palmer Collection 1 e 2. O site dele informa que o rapaz já está procurando outra produtora para fazer o próximo filme. Alguma interessada?

Cantor e compositor, já lançou seis CD´s com músicas que podem ser ouvidas no website do astro, mas não recomendo. O negócio dele não é cantar, é atuar, comprove em filmes feitos em outros momentos da carreira de Jeff, de uma versatilidade impressionante, um camaleão: top, versatile & botton! Ator principal de deste Volume 3, filme cuja a extrema crueza não faz dele uma barbárie completa. Neste filme ainda é possível identificar a presença dos elementos protocolares da narração dramática clássica, como introdução, desenvolvimento e epílogo; há um fiapo de narrativa, mínimo que seja, cujo protagonista é nada mais nada menos que o cu de Jeff (não depilado) que vai dilatando, dilatando, dilatando... Minimalista apoteótico, no final o cu acaba tão inchado que adquire o aspecto beiçola de uma mulata retratada por Di Cavalcanti. Dizem que o figurativismo latino-americano anda em alta, Jeff aproveita a onda e assegura um lugar nos anais ampliados da história da arte.

Filmes barebacking despertam polêmicas e ojerizas nas platéias que, espero, já terem sido superadas anos atrás, pois não dá para discutir agora sobre sexo seguro. Bare já tornou-se um gênero com subgêneros e em Barebacking with Jeff Palmer-Volume 3: Gang Fucked ele atinge o grau de dureza dos diamantes. As imagens podem ter sido registradas num único expediente, a produção é mínima, mas o efeito é máximo, bem como os lucros que, suponho, o filme esteja dando para a SX Video, apesar da pirataria.

O cenário é enxuto, neutro: a ação se desenrola um canto de 90 graus com piso e paredes pintados de negro. Como mobiliário há apenas um puff, na linha do less is more e bigger is better. As falas são mínimas, uma frase é respondida por um gesto, um urro, um imprecação, sem perder o sentido. Não há trilha sonora, o áudio é o som captado no estúdio, apenas. A câmera de Baird é tão econômica e seca que parece carecer de ousadia e criatividade, ledo engano, o que o diretor não quer é competir como a ação, Jeff faz o espetáculo e o resto da equipe o segue, reencontramos o passivo hiperativo como protagonista, um tipo que andava sumido desde que Joe Stefano encerrou carreira precocemente, em 1994. Se figurino já era um item descartável nos pornôs, em Barebacking with Jeff Palmer-Volume 3 ele usa apenas um jock strap durante o filme inteiro e os outros atores não usam tanto. Uma tatuagem, um piercing, um bracelete, um colar de miçanga, uma bandana, é tudo pra cobrir o corpo inteiro. Excesso só de sexo.

Neste filme ele é exclusivamente botton e já começa sendo enrrabado pelo ruivo dotado Jasper Collins, sem nenhuma preliminar! Na primeira parte ele dá pra quatro brancos com apoteóticas gozadas na boca que Jeff só deixa desperdiçar algumas gotas que fazem belos efeitos de maquiagem pale white. No fim dessa introdução Jeff agradece o empenho dos rapazes e já pede que venham os negros. Essa é a segunda parte, com quatro criôlos, entre eles o bombado famoso Flex Deon Blake que faz com KanRun dupla penetração em Jeff. Os urros de Jeff convencem e desencorajam os estreitos, recomendo o leitor baixar o volume ou usar earphone pra não perturbar a vizinhança.

Com um “bring on the brown guys” começa a terceira parte, dos fudedores world, quem vem tinindo é Brian Le, pequeno, malhado e, contradizendo a lenda de que orientais tem pau pequeno, o pau de Le é médio! Ele é um fudedor enérgico que demonstra gostar muito do oficio e do orifício. As etnias exóticas não ficam de fora, contei cinco diferentes penetrando Jeff, as ejaculações são de matar afogado um astro menos experiente, mas Jeff com todo profissionalismo de tantos filmes no mercado apenas borbulha como um copo de Alka Seltzer.

Filmes pornô são aqueles que contar o final não provoca a ira de quem ainda não assistiu porque raramente eles reservam alguma surpresa. Mas Barebacking with Jeff Palmer-Volume 3 reserva um The End compensador. Depois de tanta foda Jeff, enfim, goza pifiamente, como talvez venha ser o modelo para os botton role depois desse filme, e não desperdiça nem uma gota. Depois, com os braços levantados, vibrando como um jogador de futebol argentino que tivesse sido campeão do mundo Jeff grita, por fim: “I survived!”.



Mickey Boardman já comparou Jeff Palmer a Joan Crawford dentro da mitologia clássica hollywoodiana, evidentemente fazendo as devidas ressalvas, mas a mitologia dos pornôs gays brasileiro e argentino, na América do Sul, é outra, com outros bichos. Nessa selva, a antropofagia já não se faz como na época do Bispo Sardinha, é metafórica. Se comparados ao hermano Zuloaga, o argentino devorador de homens, os atores brasileiros ficam em franca desvantagem. Com Jeff a Argentina tem os dois Abaporus. Parabéns pra eles!

* O Abaporu nosso é um óleo sobre tela de Tarsila do Amaral pintado em 1928, de suma importância no panorama cultural modernista do Brasil. O título em tupi-guarani dado por Oswald significa "devorador de homem" - serviu como inspiração e como síntese do Manifesto Antropófago criado por ele próprio no mesmo ano. A tela, adquirida por Eduardo Constantini, em 1995, encontra-se exposta no Malba – Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires. Depois que essa matéria havia sido publicada no Portal GLX li a biografia de Jeff Palmer que esclarece que o ator nasceu em Los Angeles (EUA) e aos dois anos de idade foi viver em Mendoza (AR). É, pois, tão Argentino quanto Carlos Gardel (nascido na França) e Julio Cortázar (nascido na Bélgica).


Barebacking with Jeff Palmer Volume 3: Gang Fucked
Produtora: SX Vídeo
Ano: 2005
Direção Ben Baird
Duração: 60 minutos


Publicado em 10.09.2006 no Portal GLX

quinta-feira, 16 de novembro de 2006

Primeiro Emprego


Primeiro Emprego

A desejada vaga nos filmes pornô gay

A maioria dos e-mails que recebo, por conta dos artigos que escrevo, são de leitores interessados em participar de filmes pornô gay, como atores. Poucos se interessam pelas outras funções técnicas da equipe. Este interesse em protagonizar um papel não causa surpresa.

Os leitores não revelam, mas acredito que eles sejam carne fresca a procura do primeiro emprego, um que lhes dê prazer e alguma notoriedade. Não sei quantos deles levam idéia a sério, se apenas agem impulsivamente, se realmente estão dispostos a aceitar esse tipo de estrelato e as conseqüências de um trabalho que pode ser considerado pelos indivúduos de mentes sujas como "uma perversão". Quando, pelo contrário, esse estrelato compara-se a um sacerdócio, pois o imbuído nesse ofício exerce funções sagradas como o “serviço de culto” e a “oferta de sacrifício”, algo apenas aparentado com a representação dramática tradicional, pois para eles representar é função acessória e complementar. É um sacerdócio porque fisiologicamente o clímax masculino é acompanhado por uma fração de segundos em que os pensamentos ficam completamente ausentes, inclusive os pecaminosos. É um momento de transe místico, um “nirvana” sem meditação, um êxtase depois da comunhão, uma mortificação de penitente, os atores pornôs são dervixes do sexo e os pornôs são filmes que mostram esses momentos singulares de transe orgástico, por isso é imprópria a classificação desses filmes como ficção, mais próprio é considerá-los como um tipo particular de documentário.

Não sei se devido ao desemprego, ao subemprego, se estão empregados e se ganham bem e só querem fazer um bico, mas os leitores querem saber o que fazer pra se tornar ator, como se eu soubesse. Fui pesquisar e encontrei no Orkut pelo menos duas comunidades que discutem o assunto e descobri que algumas produtoras aceitam inscrição em seus sites. O Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego (PNPE), do Governo Federal, para o combate à pobreza e à exclusão social, não serve pra essa finalidade. Antes de recomendar aos missivistas que preencham e encaminhem os formulários de inscrição que as produtoras oferecem online, eu mesmo me candidatei a uma vaga. Para não revelar minha identidade e pra fingir alguma inexperiência, criei um pseudônimo bem ruim, preenchi o formulário como Cláudio Cruz (tem nome pior que esse? Cláudio é “manco”, Cruz é algo difícil de carregar e, se associado à Igreja Católica, brocha totalmente!). Anexei fotos de corpo inteiro e desinibido e espero por uma resposta até hoje. Já faz dois meses, perdi a esperança de estelar um filme. Embora minha tentativa não tenha sido positiva, ainda acho que os leitores devem enviar suas fichas para as produtoras e torcer pelo resultado. Haverá quem comece por baixo e termine por cima; quem comece por cima e decaia, quem comece por cima e tenha a felicidade de ficar por cima por muito tempo. Devem, sobretudo, conhecer o estilo da produtora e, talvez do diretor.

Se você tem cara e corpo de bebê, a Bel Ami oferece vagas; se tem aspecto de homem feito, a Colt é mais indicada; se for um tipo cafuçu brasileiro, sua produtora é a Pau Brasil e a Kristen Bjorn (para cafuçus de todas as nacionalidades). A Falcon é a que exige mais qualidades do candidato, os atores dessa produtora beiram a perfeição física e, pasmem, sabem interpretar, feios com o pau grande, tipo Chad Hunt, são aceitos. Uma produtora como a Treasure Island não procura um tipo físico definido, entretanto o sexo lá é barebacking, poucos topam. Existem produtoras de todo tipo, inclusive umas que parecem ciladas, tenham cautela. Sempre tem uma produtora nova e o mercado é dinâmico. Tem as especializadas em produções amadoras, onde o fulano entra e sai anônimo, é esse o esquema. Mas acredito que há vaga para estrelas e salários compensadores para atores que possuem contratos de exclusividade com as grandes produtoras do ramo, como Matthew Rush, que recebe o título de “Falcon Lifetime Exclusive”, além dessa honraria, que é para poucos, há as linhas de produtos que levam a assinatura do astro, o que deve gerar uma renda extra. Quem nunca ouviu falar nas réplicas em plástico do pênis desse e daquele outro ator vendidas em sex shops como se fossem brinquedos? O astro ainda pode ganhar umas boladas em outros produtos como revistas e sites, em apresentações ao vivo e em scort service. Não tenho dados, mas acho que somando todas as atividades um astro desse quilate deve acumular muitas vantagens pecuniárias. Trabalhar em filmes pornô pode ser o inicio de uma outra vida, como a carreira política, a exemplo da atriz italiana Cicciolina (Ilona Staller), eleita para o Parlamento Italiano em 1987. Atores pornôs depois de um certo tempo (a carreira é curta!) podem dirigir e produzir seus filmes, como Kristen Bjorn.

Embora a arte imite a vida (o inverso também é verdadeiro), nem sempre as histórias na vida real são prazerosas como nos filmes. Tem de ser muito macho pra agüentar as adversidades. Os militares são frequentemente temas de filmes pornô, recentemente o comando da aeronáutica norte-americana flagrou sete soldados que participaram de vídeos de sexo explícito em sites gay. Um porta-voz disse que as acusações são fruto de uma investigação de sites pornográficos que tinham temas militares (duro ofício esse dentro do exército americano, navegar em sites gay pra pegar alguém conhecido). Resultado: três soldados serão levados à corte marcial sob acusações de sodomia e praticar atos sexuais por dinheiro. Quatro outros receberam punições não judiciais.

Essa história e muitas outras são um argumento pronto para um filme que nem precisa de argumento. Não foi a primeira vez nem será a ultima que isso acontece. Para não passar por uma censura semelhante à dos pracinhas no quartel a profissão deve ser levada a sério. Se for encarada como um biscate, vexames podem acontecer na rua, em casa, na igreja. Fazer filmes pornôs não é prostituição nem vadiagem, dê o melhor que puder. O reconhecimento público é a melhor recompensa, depois do dinheiro. Mas o público às vezes sofre uma confusão de realidade e ficção que provoca mal entendidos. Atores famosos que, eventualmente, fazem um papel de vilão sabem do que estou falando. Se essa confusão tem caráter moral ou se provoca reações violentas, o ator deve estar preparado para contornar a situação e sair por cima.

A carreira é cheia de surpresas. Um iniciante hoje pode trilhar um percurso inverso ao de Alexandre Frota, que começou como ator de telenovelas (Livre Para Voar, 1984) e terminou como ator pornô (Garoto de Programa, 2006), ou seja, fazer um pornô e depois ser contratado pela TV, tudo é possível. O iniciante pode trilhar um percurso semelhante ao de Xuxa Meneghel, que começou no soft porn (Amor Estranho Amor, 1982) porque na época hard core brasileiro ainda estava começando, o primeiro foi Coisas Eróticas, do mesmo ano. Xuxa virou apresentadora infantil, um anos depois, na TV Manchete, no programa Clube da Criança. Como atriz escapou do hard core por um triz.

Não sei quando o Brasil terá um astro de primeira grandeza em Porn Valley, a região de São Fernando, na Califórnia, equivalente à Holywood, que sedia a indústria do cinema pornô americano, nem quando receberá um primeiro prêmio no Festival Internacional de Cine Erótico de Barcelona, mas pela energia e voluntarismo dos e-mails que recebo, esse dia não está longe.

Essas produtoras oferecem vagas:
Pau Brasil Vídeo
Marcostudio
Colt Studio
Treasure Island Media
Falcon Studio
Kristen Bjorn
Tipo Sesso

Essa agências selecionam modelos:
Adult Faces
Agency X
AVI Models



Publicado em 03.04.2006 no Portal GLX

terça-feira, 14 de novembro de 2006

Garganta Profunda em telecurso

Garganta Profunda em telecurso

Um clássico do sexo explicito na telinha

Garganta Profunda (Deep Throat, 1972) foi relançado remasterizado em DVD. Disponível pra quem já assistiu e pra quem quer assistir esse verdadeiro clássico do cinema pornô. Foi o filme que estabeleu padrões, convenções e clichês utilizados na indústria pornô até hoje. Político, pôs em xeque as liberdades individuais e de expressão em todos os países democráticos da época – o Brasil era, em 1972 uma ditadura militar conservadora, então a censura por aqui foi apenas óbvia; na Europa e nos Estados Unidos, tidos como liberais, foi um escândalo. Garganta afrontou os costumes por ter desfeito preconceitos a respeito do gênero pornô e da prática do sexo oral.

Como o público gay vê filme hétero numa boa, diferente dos hétero, que não assistem (ou não admitem assistir) filmes gays, esse filme foi e ainda será visto pelos gays. Quando estiverem vendo percebam que Linda Lovelace (Linda Susan Boreman, 1949-2002), no papel dela mesma, de alguma forma, representa todos nós. Garganta Profunda só chegou aqui por volta de 1984, já alçado à imprecisa categoria de cult lá fora. No Brasil dos anos 80 as normas da censura federal que proibiram a exibição por mais de 10 anos já haviam afrouxado. Formaram-se filas nas portas dos cinemas para ver o filme que fora a sensação em outros lugares. No Recife foi exibido em seção dupla, com o Diabo na Carne de Miss Jones (The Devil in Miss Jones, 1973), dirigido pelo mesmo Gerard Damiano (a.k.a Jerry Gerard) no Cine Trianon, na Avenida Guararapes, hoje fechado como tantos outros cinemas do centro da cidade. Naquela época o videocassete doméstico ainda não era um aparelho popular (e hoje já está quase extinto!), então quem quisesse assistir este clássico tinha mesmo que ir a uma “sala especial”, como eram classificados os cinemas que exibiam filmes de sexo explícito.

Nostalgia! Havia um êxtase coletivo na platéia de quase mil lugares, era um acontecimento social. Hoje assistir esse filme em casa perdeu um tanto o encanto de vê-lo na telona e compartilhando as reações do público na cadeira ao lado, na frente, detrás. Na telinha virou um telecurso, incompatível com a grandeza que lhe outorgam os críticos e a história do cinema. Mas esta forma, o filme na telinha, é compatível com o caráter didático que, muito provavelmente, o diretor tinha ao realizá-lo. Garganta foi de grande valia pra divulgar a prática do sexo oral, vista com reserva e praticada com pouco método. Hoje tomar essas lições em casa será bom pra família tradicional e pra família gay. As qualidades e os defeitos da produção, anulando-se uns aos outros, acabam por dar à obra um raro equilíbrio. Fazem diferença a trilha sonora e a sonoplastia, um orgasmo auditivo, sem desemerecer o décor, figurinos, maquiagem e penteados, uma verdadeira lição das tendências vigentes no início da década de 70.

Garganta levantou uma discussão sobre sexo que não pode ser classificada de superficial, mas profunda. O resultado dessa discussão acabou ajudando a retirar das sombras todos aqueles que praticam sexo “não convencional”, mulheres e homens indistintamente. Tanto o sexo oral quanto o sexo anal são tabus, práticas condenadas socialmente, pois eles não têm finalidade reprodutiva, se faz por puro prazer. Tomado isoladamente o filme pode não ser nada demais, pode parecer ultrapassado; hoje há filmes de sexo explícito que parecem melhores e muito mais bem feitos em todos os sentidos. Mas o contexto da época fez desse filme uma obra cuja resultado ultrapassou o que se esperava dele.

O filme não é só um manifesto contra a sexualidade reprimida. Linda Lovelace não sofre essa repressão, é uma mulher "liberada". A sociedade e a platéia naquela época eram os que tinham a sexualidade reprimida. Talvez ainda hoje tenham, por isso o filme permanece válido. Atualmente o conservadorismo cresce assustadoramente em nossa sociedade como se não tivéssemos aprendido nada da lição que foi Garganta. A persistirem os tabus, a humanidade merece levar pau e repetir a lição, bem Linda.

Garganta trata, sobretudo, de pessoas com necessidades especiais, que não são minoria, pelo contrário. Linda Lovelace nasceu com o clitóris deslocado, e por esse motivo não sente prazer onde a maioria sente. A moça tem, no máximo, um “formigamento”. Quando o Doutor Young (Harry Reems) a examina, diagnostica e trata o problema, ela não apenas deixa de ser aquela pessoa triste de antes, ela passa também a ajudar outros que, como ela, também são especiais. O enredo do filme leva o problema para o lado objetivo, científico, embora seja um filme com toques de bom humor. Não é a amiga Helen (Dolly Sharp) ou os amantes de Linda quem descobrem o motivo dela não ouvir sinos nem explosões quando transa, é um médico. É um filme que derruba preconceitos a fórceps, realiza as fantasias da personagem, a catarse da platéia e mostra o quanto o corpo humano é uma máquina de prazer, sem limites, sejam físicos (caso de Linda), sejam psíquicos (caso do personagem que só goza com Coca-Cola).

O filme retrata uma personagem que é como a maioria das mulheres são ou como a sociedade as vê, que desconhecem o próprio corpo, que não conseguem encontrar prazer sexual, que são conservadoras, embora emancipadas, que só desejam é encontrar o homem certo, casar e ter filhos. E Linda encontra praticando sexo antes do casamento (que escândalo!). O filme acaba sem mostrar a cerimônia.

Muito se tem escrito e falado sobre esse filme e sua atriz emblemática que se tornou anos depois uma ativista contra a pornografia. O próprio cinema já voltou suas lentes pra recriar os fatos que cercam o filme que custou US$ 25 mil e rendeu US$ 600 milhões, possivelmente o mais rentável da história do cinema. Para quem quiser aprofundar-se na Garganta foi lançado o documentário Por Dentro de Garganta Profunda (Inside Deep Throat, 2005), dirigido por Fenton Bailey e Randy Barbato. Curtney Love fará o papel de Linda Lovelace em Lovelace (Lovelace, 2005), dirigido por Merritt Johnson, prometidos pra estrear ainda este ano. Linda ainda teve publicadas pelo menos cinco biografias “autorizadas”: Inside Linda Lovelace (1974), The Intimate Diary of Linda Lovelace (1974), Ordeal (1980), Out of Bondage (1986) e The Complete Linda Lovelace (2001).






Publicado em 20.09.2005 no Portal GLX

domingo, 12 de novembro de 2006

Com quantos paus?

Com quantos paus?

Quanto custa uma produtora de filmes pornôs


Fui solicitado a escrever para o Portal GLX sobre filmes pornôs gays, mas escrever apenas sobre as imagens produzidas pelos estúdios é, a meu ver, um tanto limitador porque, além do que vemos em cena, existem os bastidores. Por este motivo decidi escrever sobre os vídeos e também sobre as outras atividades que envolvem as produções. Esta primeira matéria é sobre a viabilidade do leitor abrir sua própria produtora e, talvez, ganhar algum dinheiro com essa atividade; uma idéia que pode ser um sucesso.

Não tenho uma produtora, conheço pouca gente do ramo de filmes pornôs gays, pouco sei como se formaram grandes produtoras como a Falcon, Bel Ami ou Titan, mas não sou tão ignorante que não seja capaz de dar um palptite. Baseado em outras produtoras que não fazem esse tipo de filme, tenho uma idéia aproximada de como elas funcionam e como estão faturando. Não há dúvida que existe um mercado, a prova é a quantidade de filmes vendidos e locados e o quanto esse material ocupa de espaço na internet e em outras mídias.

Nos últimos anos, com a escassez de empregos no mundo inteiro, mais e mais jovens são forçadas a se tornarem empreendedoras e abrir seu próprio negócio. Essa matéria não pretende ser a única orientadora sobre onde o leitor deve investir seu dinheiro, certamente há formas mais seguras de se fazer isso e o gerente de investimentos do banco da esquina poderá dar um palpite. Mas algum leitor mais ousado pode se dispor a correr maiores riscos e, conseqüentemente, conseguir lucros mais vantajosos que a bolsa de valores, abrindo a própria produtora de filmes pornôs gays. Montar sua própria produtora de vídeos pornôs é uma atividade para médios investidores com retorno a médio e longo prazo.

Há cerca de vinte anos atrás, quando os únicos filmes do gênero disponíveis nas locadoras eram americanos e europeus, um amigo francês estava interessado em fazer um investimento no Brasil e me perguntou em que ramo aplicar seu modesto capital. Sugeri, sem titubear, que abrisse uma produtora de filmes gays com equipe e atores brasileiros. Sabia que ele tinha tato para gerenciar o negócio e seu namorado, um mulato brasileiro, conhecido nos dois continentes pela lascívia, que havia estudado cinema numa das melhores escolas da França, poderia mostrar o que sabia na frente e atrás das câmeras. Até eu poderia colaborar com a equipe, mas dificilmente como ator. Meus dois amigos poderiam abrir uma empresa “tipo familiar” e, naquela época, explorar um mercado que as produtoras brasileiras só ocupariam posteriormente. Ele não levou muito a sério a minha sugestão, o relacionamento dele com o namorado também não durou muito e ele desistiu de qualquer negócio aqui. Desde então tenho a convicção de que uma produtora de filmes pornôs gays, no Brasil, pode ser um bom negócio, quiçá prazeroso.

Quem tivesse aberto uma produtora do gênero naquela época hoje estaria colhendo os lucros e as glórias de ser considerado um pioneiro, pois até os anos de 1980 não se produzia filmes pornôs gays no Brasil, considero que o primeiro longa metragem foi Tropical Heatwave (1988) dirigido pelo inglês Kristen Bjorn. Antes desse filme nossos poucos atores tinham que trabalhar fora. As circunstâncias que favoreciam a abertura de uma produtora naquela época existem até hoje (atores e técnicos a preços baixos, mercado em expansão) e com a projeção Brasil no mercado internacional a expectativa é que o interesse por filmes brasileiros permaneça e supere o sucesso alcançado pelas produtoras que surgiram nos últimos anos, como a Pau Brasil, Frenesi e Brazilian Boys.

Uma produtora de filmes gays não é diferente de uma que faça filmes educacionais ou esportivos. Funciona da mesma maneira podendo até produzir vários gêneros ao mesmo tempo, demonstrando versatilidade no atendimento da demanda. Consultei o sócio de uma produtora que me esclareceu sobre vários itens indispensáveis. Para fazer um trabalho profissional (depois pode até colocar o selo de filme amador), é bom abrir uma empresa. Quem observar e cumprir os trâmites legais, o investimento só para abertura é de aproximadamente R$ 1.300,00. Esse investimento cobrirá despesas com honorários do contador, alvará de funcionamento (licença de funcionamento junto a prefeitura da cidade), taxa de bombeiros e inspeção dos extintores, junta comercial. O tempo médio é de dois meses para abertura se todos os documentos estiverem regulares e as instalações apropriadas para o funcionamento. Empresa produtora de conteúdos audiovisuais não pode ser micro-empresa (faturamento menor que 120 mil reais/ano), então o ideal para quem vai abrir uma produtora é enquadra-la numa EPP (empresa pequeno porte), que permite um faturamento anual de até 1 milhão e duzentos mil reais.

Antes da compra do equipamento é muito importante que a empresa tenha definido o seu perfil junto ao mercado, seu foco de atuação (cinema, publicidade, televisão). A empresa produtora é uma empresa de prestação de serviços, o principal negócio dela é produção do serviço, a realização do produto. Se for uma produtora de filmes para cinema não é importante ter equipamentos, pois existem locadoras de equipamentos cinematográficos. No caso das produtoras de vídeo, os equipamentos digitais ficaram mais baratos e acessíveis. Para a produtora de vídeo é importante ter algum equipamento para captação e edição de imagem.

É possível encontrar câmeras digitais desde as versões Consumer (semi-profissionais, com excelentes resultados, por exemplo, Sony PD 170) até as versões Broadcasting (profissionais, por exemplo Sony DSR 570); computador Macintosh G4 ou G5, para a edição com o programa Final Cut instalado, máquina recorder DVCam, máquina recorder Betacam, monitor. Os preços de equipamentos podem ser consultados no site http://www.bhphotovideo.com/ sem fretes e impostos. No Brasil, com nota fiscal e legalidade, tudo isso fica bem mais caro. Com quantos paus? 80 mil, mais ou menos.

Tenha em mente que esse é um trabalho em equipe, precisa saber trabalhar em conjunto, saber ouvir e colaborar até com os que têm opinião contrária à sua. Procure ter um ou mais sócios no capital. Como é difícil encontrar alguém que entenda de tudo e com capacidade de cuidar de todas as tarefas relativas à produção de um filme, considere que a sociedade pode ser feita entre pessoas com diversas formações e aptidões; alguém que entenda de linguagem audiovisual, outro que entenda de técnicas de captação e edição de imagens/som, e alguém que entenda de finanças, negócios e comércio. O que todos os sócios devem estar de acordo é sobre o gênero que vão produzir e quais as obrigações e deveres de cada um, como serão repartidos os lucros e, temos de considerar, os prejuízos.

Quanto à pirataria, um flagrante desrespeito ao direito autoral que acontece no mundo todo e em todas as áreas de criação (ser criativo é mesmo difícil), o videoprodutor precisa desencanar para conviver com essa realidade fora de seu controle. A vantagem é saber que ser copiado significa que você está fazendo a coisa certa, que o seu produto está tão bom que até uma cópia do original tem valor. Se seu produto não for copiado desconfie, pode estar na hora de mudar. Preocupe-se com qualidade e estilo, isso dificilmente se copia. Tente crescer independente da pirataria, se conseguir um percentual entre 5% e 10% de crescimento ao ano já será muito. Seu contador avisará quando estiver entrando no vermelho.

A produtora vai precisar de um conjunto de sala, ante-sala, bwc e copa, com aproximadamente 35 m² para os equipamentos e para outras funções. O aluguel custa em torno de R$ 500,00 mensais mais taxas administrativas e de manutenção. Escolha um nome consoante com o estilo das produções. Pirarucu, Curupira, Banana da Terra são nomes válidos para uma produtora que apresente estilo tupiniquim (locação, atores, temas, músicas). Nomes em língua estrangeira também podem agradar o mercado. Sinta qual a tendência, aposte e espere o resultado, nunca é tarde para corrigir um erro de trajetória. Pesquise pra saber se o nome escolhido não está sendo usado por outra empresa, se não estiver, não custa caro e recomendo que registre o nome e a marca no Instituto de Nacional de Propriedade Industrial http://www.inpi.gov.br/ e o domínio na internet no site http://registro.br/.

Com a produtora montada faça os planos no papel antes de começar. Divida as etapas em Pré-produção, Produção e Pós-produção. Na Pré-produção forme a equipe e faça os orçamentos de forma bem realista. Cada produção tem o seu orçamento programado, não estoure! Escolha bem os atores. Não poupe um centavo se eles merecerem. Dê preferência aos que conseguem a proeza de ficar à vontade diante da câmera, pois manter uma ereção diante dos equipamentos e dos técnicos de forma convincente é difícil, repetir quando o diretor achar que não ficou bem, é coisa que só um bom profissional pode fazer, então dispense aquele sujeito que é apenas um bom amante, ele dificilmente será um ator com tantas qualidades. Na Produção é quando se capta as imagens e o som direto, em locações externas ou em internas (estúdio). As externas podem ser feitas em praticamente qualquer lugar, ao ar livre, dia ou noite; em estúdio as condições de trabalho são mais controladas (proteção contra sol, chuva, vento e curiosos). Uma equipe enxuta no set não se faz com pelo menos atores, operador de câmera, produtor e diretor.


Quando o som e a imagem tiverem sido captadas chegou a hora da Pós-produção (finalização). Muito da qualidade do filme depende da montagem, então é a hora de entrar um bom montador e alguém que faça a mixagem do som e insira os títulos. O plano de distribuição deve ser feito com cuidado para que o produto chegue aos consumidores. Possuir um esquema próprio de distribuição pode ser tentador, pois nessa fase é que se começa a ganhar dinheiro de verdade. Mas se não tiver experiência, talvez um distribuidor associado faça esse trabalho cobrando um percentual em torno de 30% do valor final do produto.

Os consumidores são motivados pelo preço, pela qualidade e pela origem do produto – nessa ordem. Sendo que a origem do produto pode interferir no preço e na qualidade. Se quisermos conquistar um mercado internacional temos de ter um produto com padrão internacional, dificilmente se consegue sem antes conquistar o mercado nacional. Meta difícil para quem estiver iniciando. Seja perseverante! Consumidores toleram deficiências técnicas do filme se tiver boas trepadas. Lembre de não economizar nenhum centavo com bons atores.

Não foi consultado o SEBRAE sobre cursos de capacitação, facilidades financeiras e outros estímulos. Talvez valha a pena visitar o site http://www.sebrae.com.br/ em busca de esclarecimento. Possivelmente deixei de mencionar algum item porventura necessário a algum caso específico, mas só o desenvolvimento do projeto poderá dizer o que é mesmo necessário a cada um. Essa é uma proposta geral e mínima para abrir sua própria produtora. O sucesso fará ela crescer naturalmente. Fará com que se consolide no Brasil uma cadeia produtiva do audiovisual destinado ao público adulto, como há nos Estados Unidos, Europa e Austrália, associada a outras mídias ao comércio, serviços de produtos e artigos eróticos, profissional e responsável.

Publicado em 01.02.2005 no Portal GLX