sexta-feira, 21 de março de 2008

O filme da semana, Santa!

O filme da semana, Santa!

Um pornô gay gospel

Adaptar personagens consagrados a enredos pornográficos já deixou de ser novidade faz tempo. Desta tentação que atazana os roteiristas não escapa sequer Jesus Cristo, o filho de Deus para cristãos do mundo todo, que, até mesmo nas versões mais sacrossantas é representado com mais sex appeal do que Maria Madalena. Com aproximadamente uma hora de duração, Passio, uma adaptação livre da Paixão de Cristo, feita pelo diretor punk Matthias von Fistenberg, a.k.a. Matthew Green, dura tanto quanto uma missa ou uma lição de catecismo.

O que houve de controverso em Passio foi motivado pelos aiatolás cristãos pornófilos que assistiram o filme em mosteiros de Roma e alhures e fizeram um julgamento, como sempre, eivado de preconceitos; uma censura inteiramente sem razão. Pelo contrário, eles poderiam recomendá-lo aos fiéis adultos porque Passio realiza o não confesso desejo de vingança de todos os cristãos que é ver Jesus lascando o pau no seu algoz. Não têm razão nem aqueles que objetaram que se Cristo foi enviado à terra para padecer, como dizem as escrituras, o filme deveria confirmá-las, livrando-o de ser representado curtindo o maior dos prazeres que é gozar com um pau enfiado no cu. Ora, o filme é uma visão pessoal do autor e somente ele pode lhe dar os rumos, a garantia dessa expressão pessoal faz parte da liberdade de expressão que é a base da sociedade democrática ocidental. No GayVN Awards 2008, Passio foi indicado nas categorias de Best Boxcover Concept, Best Packaging e Best Still Photographer, tendo recebido os dois últimos prêmios em reconhecimento do bom trabalho do estúdio na pós-produção, divulgação e design do produto. Não concorreu noutras categorias, como melhor filme e melhor diretor, porque, embora seja um filme que desperte paixões, não é o melhor filme de von Fistenberg, mas é perfeito para ser visto na Semana Santa.

A Bíblia está cheia de histórias e personagens cujas versões cinematográficas, de sexo explícito ou implícito, sempre resultarão em controvérsias que alimentam grandes sucessos. Cristo é apenas um destes personagens, mas podem fazer o mesmo com Moisés, Abraão e, quem sabe, usando outro livro sagrado, o Alcorão, fazer a versão gay de Maomé, depois ir pro Extremo Oriente e mostrar a bunda de Buda com o mesmo, ou maior, impacto. As produtoras têm poucos escrúpulos quando precisam abocanhar um ponto percentual nas vendas de seus filmes. Portanto, estejam preparados homens de boa fé porque, se a moda pega, pode surgir um novo subgênero: o pornô gay gospel.

Matthias von Fistenberg, é bonito, gostoso e muito macho para fazer o que faz. Com cabeça raspada, às vezes usa um corte mohawk, deixa a barba por fazer, provoca no visual super hardcore. Ator e diretor de filmes leather como Mutiny (Dark Alley Media, 2005), sobre dominação sexo e castigos corporais num navio da marinha, hábitos militares que, no Brasil, deu origem à Revolta da Chibata, em 1910, movimento militar nas águas da Guanabara, comandado pelo negro João Cândido, um argumento que daria um grande filme pornô gay nas mãos de um diretor esperto.

Os filmes seguintes de von Fistenberg foram Fisting Punks e Leather Punks (ambos Dark Alley Media, 2006). No primeiro von Fistenberg é fistado por um grupo e depois faz uma cena em que é comido por um cidadão que usa um dildo de duas cabeças, uma solução perfeita para uma foda entre dois passivos, onde um cu come o outro. Não deixem de assistir sob hipótese alguma. O segundo é um filme de ação do começo ao fim com uma atuação impressionante de Owen Hawk e von Fistenberg na sling chair.

Estes são dois filmes de sexo divertidos e inconseqüentes do ponto de vista político. Mas recentemente von Fistenberg começou a polemizar no já conturbado mercado de filmes ponôs gays com títulos tipo Passio, Gaytanamo e 8 ½, (todos da Dark Alley Media, 2007). Este é uma paródia ao filme homônimo de Federico Fellini de 1963, feito logo depois de Michael Lukas ter dirigido e atuado na sua própria versão de La Dolce Vita (2006). O 8 ½ ao qual o título do filme de von Fistenberg se refere é, claro, o tamanho mínimo, em polegadas, das picas do elenco, algo além dos 20 cm, um exagero. O pau de Lukas, como bem sabemos, fica aquém dessa medida.

Gaytanamo é uma gozação que não faz rir sobre o que deveria ser, mas não é porque os americanos preferem escândalos pornopolíticos, a maior vergonha deles, Guantânamo, a base militar mantida em território cubano onde prisioneiros são mantidos sem acusação formal nem julgamento. Em Gaytanamo um turista alemão (Danny Fox) é detido por um grupo que o acusa de ser um líder terrorista. Para obter a confissão ele é torturado. Os verdugos começam por forçá-lo a ver um filme pornô gay, esse tormento só poderia ter efeito, de fato, sobre os castos e os héteros convictos, se eles ainda existissem. Preso, incomunicável, tem sonhos eróticos e acaba por encontrar num companheiro de cela uma mão amiga, uma boca amiga, uma bunda amiga, uma pica amiga.

A Santa Inquisição e as casas de orgias têm máquinas com idêntica finalidade, mas só os católicos foram fundo nos seus intentos. O prazer da dor é a fantasia, e não a realidade, dos filmes e da comunidade leather. Histórias de crucificação há mais de 2 mil anos atrás e torturas sofridas nos dias de hoje por homens inocentes, até prova em contrário, são o mote que inspiram Passio e Gaytanamo. A Paixão de Cristo é o maior espetáculo sadomasô da cristandade; um campo de tortura numa bela praia cubana é o pior espetáculo da democracia americana. Então porque não representá-los em filmes leather com as tintas da imaginação? Uma forma possível de compreender os mistérios da fé e os mistérios da democracia é ver com naturalidade a reincidência do homem no prazer da dor e na privação da liberdade.

Em um cenário de uma grande cidade americana, num terraço tendo ao fundo um skyline noturno de prédios e luzes, o diretor, von Fistenberg, faz o papel de São Mateus, o evangelista, com um laptop escrevendo o roteiro do próprio Passio. A primeira seqüência de sexo envolve Brock Hatcher, como o Guardião da Fraternidade dos Homens, e Hank Dutch, como o Pupilo da Fraternidade dos Homens. É uma cena de arrancar cabaço e qualquer semelhança do figurino dos personagens com o Dalai-Lama não é contrapropaganda chinesa.

A cena seguinte é com Demetrius, no papel de Caifás, e Jon Matthews, no papel de Pôncio Pilatos. Num cenário de drama da Paixão de Circo da suburbana Índia Morena, Pilatos ferra Caifás com compaixão tirânica, que recebe o afago com apetite botânico.

A terceira cena é a Santa Ceia, com direito a uma suruba de sobremesa. No papel de Jesus, Danny Fox, o mesmo ator protagonista de Gaytanamo, de cabeça raspada, sem barba, um corpo divino, versátil, com muito amor para dar para doze ou mais apóstolos, a ausência de mulheres não prejudica o entendimento da missão de Cristo na terra. Estranhamente a Santa Ceia de von Fistenberg tem apenas seis participantes. A não ser pelos beijos, nenhum deles se comporta como Judas, mas só Brock Hatcher, o Guardião da Fraternidade dos Homens enraba Jesus, seria ele o traidor? O filme não dá resposta a essa pergunta nem a várias outras, a capacidade de uma obra artística de levantar questões e conceder liberdade de interpretação para o espectador é um parâmetro para averiguar a sua grandeza. Mas no fim todos gozam no Santo Graal, que depois da Santa Ceia está cheio de um líquido pálido e viscoso.

Crucificado de pau mole, bastam umas chicotadas para que o pau de Jesus fique em ponto de bala. Esta é a quarta e última seqüência de sexo. Ele desce da cruz para comer com fúria o cuzão do algoz, Adam Faust. É bom de ver como Faust está vestido e atuando como um vigário muito devoto do lenho do Senhor em vez de estar caracterizado como um soldado romano. O clero atual é representado aqui de maneira nada cristã, talvez seja isso que realmente os incomoda.

Em um texto intitulado Passio, the story behind the movie, assinado por von Fistenberg e publicado no website do Dark Alley Media, ele justifica o filme ressaltando o quanto o sexo enriquece a experiência espiritual, mas essa é uma tradição que a moral quer dissociar da religião. Uma observação oportuna: ver São Mateus, na época de Jesus Cristo, escrevendo com um laptop não é tão incomodo à verdade histórica quanto ver os atores usando camisinha de látex (há notícias de que no Egito dos Faraós elas já eram usadas, feitas com peles de animais). Hoje que existem e, mais que nunca são necessárias, beatos e barebackers não as prescrevem, são morais opostas que chegam aos mesmos resultados.

Para cobrir a nudez de muitas obras artísticas da antiguidade, julgadas indecentes para a religião e os costumes de certas épocas pósteras, eram contratados pintores que passaram à história da arte como cuequeiros. Recentemente a palavra foi incluída no vernáculo brasileiro significando aquele mensageiro de políticos sem escrúpulos que transporta, ilegalmente, valores dentro da cueca. Voltando ao sentido primeiro da palavra, este é um filme cujo atentado contra a decência e a religião de muitos indivíduos nenhum cuequeiro, de tempo algum, conseguiria encobrir com eficiência.



Saiba mais:

Acesse o site da produtora Dark Alley Media

Assista o trailler de Passio