O pornô gay reafirma, novamente, a tradição de ser pródigo em inversões que causam surpresas. Neles, amiúde, a dor se transforma em prazer. Em Justice, comentado aqui em matéria publicada em 10/11, era penitência que se transformava em prazer, em The Intern (2007) é o trabalho quem faz essa inversão.
Quem tem queda por subalternos é um sedutor que não se arrisca. Eles são um alvo fácil demais na guerra de sedução, é batata! Deles raramente se recebe um não. Mesmo para o maior pé-rapado da paróquia sempre há alguém que se submeta, compulsoriamente ou por predileção. O própria vida organiza-se de modo que o sexo subordine os outros prazeres a papéis inferiores; o ato sexual envolve dominação onde o dominado nem sempre faz o papel passivo. O personagem que protagoniza essa fita é um noviço que faz o delicioso gênero ativo submisso.
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Produzido por Lucas Entertainment, um estúdio que está a poucos anos no mercado e já pode ser considerado queridinho da vez no jet set de Pornwood. O estúdio não pára de abocanhar prêmios e lançar nomes ao estrelato. Dangerous Liaisons (2005), vencedor do GayVN 2006 em 4 categorias, e La Dolce Vita (2006), vencedor do GayVN 2007 em 14 categorias, são exemplares do sucesso alcançado, o resto é conseqüência.
Sua maior estrela também é seu mais profícuo diretor, fundador e lhe empresta o nome: Michael Lucas (seu nome verdadeiro é Andrei Treivas Bregma), 35 anos, judeu russo. Parece salutar não nascer nos Estados Unidos e migrar para lá com uma cultura que não seja o american way of live. Como Irving Berlin, Lucas também é um cossaco, Berlin nasceu ainda na Rússia czariasta, Lucas na neoczarista. Estudou advocacia e debandou para o ocidente assim que pôde. Primeiro para a Alemanha, depois para a França e, finalmente, para os Estados Unidos, onde fez carreira de modelo e montou a produtora em 1998 na cidade de Nova York. Antes, como ator, fez filmes para a Films Cadinot (como Ramzes Kairoff), do veterano francês Jean-Daniel Cadinot e para a Falcon Studios. O primeiro filme da Lucas Entertainment foi Back in the Saddle, lançado em 1999.
Em imagem e conteúdo, Michael Lucas é a aparição mais interessante do pornô gay desde que Peter Berlin armou a ponte entre as ruas e as telas, tornando ainda mais tênue a fronteira entre representação e realidade. Celebridade íntimo de celebridades, é um oportunista pop comparável a Andy Warhol. Homem de negócios, lançou a réplica de seu próprio pênis, em borracha, para os menos célebres meterem no cu pagando US$ 69,95. A menos que se considere que em Nova York o programa com um astro pornô custa em torno de US$ 500,00, esse consolo tá caro. Fazer na China uma réplica de uma pica média não consome tanta borracha, neste valor deve estar embutido royalties pelo pau de um ativo (pelo menos nas telas) bem sucedido.
Os atores dos filmes da Lucas Entertainment, não são nem do tipo “bomdadão” nem o tipo “lolito”, são homens de aspecto tão delicioso quanto aquele vizinho ordinário, Lucas é um exemplo, seu físico é de um modelo vigoroso entrando nos anos. Os filmes quase sempre retratam o mundo fashion, e nesse aspecto há reciprocidade. São os filmes menos underground que o pornô gay já produziu e, se calhar o rótulo de pornô chic, pode-se dizer que eles alcançaram um público como nunca ocorreu antes, tendo, inclusive, influenciado outras produtoras no mercado há mais tempo. Vale acrescentar que a direção comete transgressões moderadas ao fazer um filme que apresenta sexo anal seguro mas com esporradas na boca que não deixam nada a desejar aos filmes bareback mais leitosos. Essas cenas são verificadas tanto nos filmes dirigidos por DiMarco quanto nos dirigidos por Michael Lucas.
The Intern é uma comédia que trata da descoberta acidental de um astro para o pornô gay. Astros pornôs podem estar em qualquer lugar, não se espante se houver um dentro de você. É o melhor pornô cômico desde Hole Milk (Cre8tive Juices, 2005) o primeiro episódio da série de sete intitulada Storm Chronicles que exibiu a vida real do astro pornô gay Sean Storm. A diferença entre os roteiros é que a parte mais hilária em The Intern fica com os personagens não-sexuais de Clarence, o recepcionista, interpretado por Joe Shepard e da aparição fortuita de um fluffer velho e sonolento que é nada mais nada menos que Robert W. Richards, o ilustrador e artista plástico americano, usando seus característicos óculos de aro grosso. Em Storm Chronicles a graça está no próprio protagonista, Sean Storm, que dá como se fosse uma donzela no dia do fim do mundo e ainda faz piada.
Dirigido por Tony DiMarco, o segundo homem da produtora, The Intern retrata o clima blasé de Nova York que os estúdios da Costa Oeste, da Flórida e alhures não têm como oferecer a não ser em versão falsiê. Uma grande metrópole, com imagens cujos significados individuais são os que se queira dar, enche o filme de realismo, urbanidade e tudo mais que uma cidade representa, sobretudo abundância de sexo. Mas estranhamente é um filme sem surubas. Há duas cenas bônus, a primeira com Ray Star e Christian Cruz fazendo hora extra no escritório. A segunda é no toalete masculino, com Michael Lucas e Zack Randall, com muito mijo e pouco siso.
Ben Andrews é a rola camarada da história e uma réplica dela, em borracha, também está à venda, tamanho único, quase idêntico ao original, para quem quiser meter no cu durante o filme e se sentir parte do elenco. Custa o mesmo preço da réplica da pica de Michael Lucas, na dúvida leve os dois e faça a suruba que o filme não tem, com DP. Com 22 anos, Ben e seu pau são novos nas telinhas. Prata da casa, começou a carreira em 2006 com Audictions 10. Depois foi visto em Audictions 12, Cruising Budapest 2, Encounters – Flash Point, The Bigger The Better e em La Dolce Vita Part 1 desfilando e levando uma chupada rápida nos bastidores de um desfile de moda. Nascido com cara de paspalho, a caracterização com óculos de aro grosso, como se fosse um arquiteto modernista, acentuou essa paspalhice nata para ele interpretar Benny, o estagiário.
Michael Lucas, também produtor do filme, faz o papel de si mesmo com outro nome, Alexander Mann, portanto faz pouco ou nenhum esforço para interpretar. Prêt-à-porter como os acessórios sexuais que trazem a marca da produtora, Lucas sabe posar e a atuação é o que aprendeu no trottoir. Com sua idade anda precisando de manutenção para poder contracenar com rapazes dez anos mais jovens. Correu a fofoca de que ele aplica alguma substância na pele para rejuvenescer. De fato, seus lábios parecem inchados além da conta. Ele negou veementemente os comentários e publicou, em seguida, uma foto de quando era garoto e os lábios já tinham aspecto muito mais próximo das quengas do congo do que de um judeu russo. É ele mesmo quem cria factóides para promover seus filmes, foi assim com Gigolo (2007), quando seu próprio blog divulgou uma cena criminal como se fosse foto de inquérito policial verdadeiro em que ele aparecia morto. Um golpe sensasionalista de publicidade mórbida em cima do caso recente de Brian Kocis, o diretor pornô gay assassinado em janeiro desse ano.
A primeira cena de Michael Lucas em The Intern é com Christian Cruz, o assistente índio pueblo, lindinho, aplicando-lhe uma seringa de qualquer coisa (botox? ácido hialurônico?) no rosto. Lucas é o único de Pornwood a olhar para si mesmo com sincera ironia e sem falsa modéstia, consolidando, assim, sua personalidade auto-indulgente, controversa, polêmica, neowhat. Fotos dele estão espalhadas nas paredes do cenário como propaganda eleitoral. Quem sabe, enquanto esta matéria está sendo escrita, ele já não as colocou num billboard em Times Square?
O enredo de The Intern é: a produtora Trojan Studios precisa de mais uma grande pica para o próximo filme, de preferência inédita. “Grandes picas significam grandes vendas”, diz Alexander Mann com indisfarçável sotaque. Essa frase pode ser considerada irônica ou excessivamente capitalista ao reduzir todos os valores ancestrais, imateriais e incomensuráveis do falo a apenas a seu valor de troca-troca. Seja como for, não deixa de ser verdadeira. Ele e o assistente estão fazendo seleção de candidatos a ator e ao mesmo tempo precisam de um estagiário para as tarefas comezinhas, Ben candidata-se à vaga. Debalde os esforços dos dois, picas grandes são difíceis de encontrar e o assistente se encarrega da tarefa sem saber que Ben tem a pica que faltava no elenco.
A primeira cena de sexo é no set de filmagens, com Alexander Mann dirigindo uma furança entre Jonathan Vargas e Jason Ridge. Benny, com toda falta de profissionalismo de um debutante no métier, sofre uma paudurescência instantânea. Cruz percebe o volume dentro das calças do estagiário e desconfia que ali tenha coisa.
Na seqüência seguinte Jimmy Trips e Zack Randall estão no depósito da Trojan Studios trabalhando e falando sobre mulheres e bucetas. Jimmy tem o tipo de pau de matar gato, mas Zack tem sete vidas e uma delas é deixada em cima duma mesa com algumas pregas que se esvaíram. Uma performance memorável. Excessivamente machos, acabam dando uma trepada testosterônica. Com héteros desse tipo vai se tornar comum encontrar ex-gay no mundo.
O Trojan Studios recebe uma encomenda do tamanho de uma geladeira, é um dildo, desumano, portanto imprestável comercialmente. Bem comercial é o entregador (Matt Cole), que confessa logo que tem vontade de ser ator pornô gay e mudar de emprego. Aproveita a ocasião para fazer um teste com Alexander Mann. Quem estava esperando encontrar uma grande pica inesperadamente encontra uma grande bunda que vale muitos pontos de audiência. Diferente de Ben Andrews, Cole não é prata da casa e está a mais tempo nas telinhas, entretanto tem a bunda mais gostosa do filme, mais rechonchuda que suas bochechas, lembram as de Quico "gentalha", mas a semelhança com o personagem da série mexicana não pára aí, lhe vestiram uma farda, que embora não seja de marinheiro, tem calças curtas que completam o aspecto patusco (há nessa cena um erro de continuidade no figurino). Ainda como Quico, seus dotes para negociar vantagens que só ele vê são prosaicas: acerta, em cima da mesa do produtor, os termos do contrato com a pica de Alexander atoladinha.
Cruz avisa a Alexander que Benny parece ser o que eles estavam procurando, mas por falta de certeza ele arma uma cilada para averiguar. “Acidentalmente” derrama água em Benny a pretexto de tirar-lhe a calça e colocá-la a secar. O que ele encontra no meio daquelas pernas é uma ferramenta grande demais para o cuzinho de um índio pueblo. Para um bom efeito visual é importante a economia de meios de um diretor experiente que coloca o grande no pequeno para que o grande pareça gigante e o pequeno pareça herói. Criatividade substitui, com vantagem, efeitos digitais que o pornô repudia. O "Princípio da Incerteza", de Werner Heinsenberg, afirma que qualquer tentativa de medir algo terá o efeito de imediatamente alterar aquilo que está sendo medido, assim sendo, para fazer um pau grande parecer diminuto sente em cima dele - ele desaparecerá completamente! Ben Andrews comprova Heinsenberg com seu pau acima da média, volumoso que desaparece no cu de Cruz, cujos atributos físicos poucos versos indianistas poderiam descrever. A ereção de Ben é típica de homens que têm paus com muita circunferência, esses tipos precisam ter dois corações para encher aquilo tudo de sangue até perder o aspecto de travesseiro. Seu pau é exatamente o oposto do pau de Michael Lucas, menos volumoso e perfeitamente rijo; paus diferentes, papéis idem, enquanto o primeiro faz o noviço ativo submisso, o segundo faz o provecto ativo submetedor. Os dois não fazem nenhuma cena de sexo, será que dois ativos não têm mesmo nenhuma chance? Depois dessa grande descoberta o estagiário Benny é promovido para fazer um filme. Subindo na vida sem os óculos, transforma-se como Betty a Feia, que não possuía nenhum atributo que a tornasse atraente. Sem a roupa Benny também não possui muitos atributos físicos, seu corpo é o de um pós-adolescente, característica que concentra o interesse da câmera apenas no seu pau e, algumas vezes, no seu rosto, fofos. Na última seqüência ele contracena com Derrick Hanson diante de uma equipe técnica que, vendo a benga do rapaz, faz a mesma cara de espanto de quem viu Les Demoiselles d'Avignon de Pablo Picasso em 1907. Para acentuar a importância do sentido da visão nesta fita cômica, o cenógrafo colocou na parede uma imagem de dezenas de olhos.
Aspirantes ao estrelato que estejam lendo essa matéria fiquem atentos, pois nem o pau de Ben Andrews nem o de Michael Lucas são definitivos. Nesse filme, o pau que cupim não rói é o de Jimmy Trips. The Intern é uma ficção hiper-realista, Lucas Entertainment e todos os estúdios do mundo têm, permanentemente, vagas para grandes e grossos talentos. Felizmente não é possível fazer filmes apenas com ativos e não se anunciam vagas para passivos porque, aplicando a "Conjectura do Donut" de Henri Poincaré ao caso, conclui-se que bundas são as vagas.
A dualidade do gênero é uma das idéias mais bizarras que se tem notícia. É estupidez relacionar, obrigatoriamente, papel social de gênero, identidade de gênero e anatomia genital. A diversidade sexual humana, grande e misteriosa como os oceanos, talvez admita a existência de duas pessoas com a mesma identidade de gênero, o improvável é que elas algum dia se encontrem e copulem. Cada indivíduo é único, bem como sua identidade, razão pela qual a palavra homossexualidade é de uma imprecisão flagrante, mas, ainda assim, aplica-se às relações entre indivíduos que compartilham a mesma anatomia genital. A prática de atos sexuais entre estes indivíduos, representa apenas uma fração de todas as práticas possíveis dentro da diversidade sexual humana. Esses atos são o enredo invariável dos filmes pornô gays que, excepcionalmente hoje, aqui terão menos relevância para focar a sexualidade trans.
Antonio Banderas declarou que gostaria de ser mulher por um dia. Desconsiderando o período muito curto da conversão, há de se admitir que esse é um desejo freqüente, que já não assusta ninguém e saiu da esfera íntima para a pública. Na mesma semana da declaração do ator espanhol foi noticiado que uma das atletas mais bem sucedidas da Alemanha vai virar homem, o que não deixa de ser uma boa notícia para quem aprecia o sexo de Zeus Olímpico e lamenta que os homens parecem sempre existir em numero aquém do desejado. Yvonne Buschbaum, 27 anos, anunciou nesta quarta-feira (21/11), em seu site oficial, sua retirada do atletismo para fazer tratamento hormonal para mudança de sexo, como parte do processo de sexualidade trans que ainda prevê uma Cirurgia de Redesignação Sexual. Entre a declaração de Banderas e a de Yvonne há uma distância colossal, mas cada um, a seu modo, acabará conseguindo essa desejada inversão.
Yvonne afirmou que há muito tempo se sente com se estivesse no “corpo errado”. É dessa forma que ela se refere ao seu corpo atlético, capaz de fazer inveja a homens e mulheres. Foi com ele que Yvonne terminou na terceira colocação nos Campeonatos Europeus em 1998 e 2002, foi sexta classificada nos Jogos Olímpicos de Sydney 2000, mesma posição alcançada no mundial em recinto coberto de 2001, em Lisboa, na modalidade salto com vara. Imaginem se ela estivesse com o “corpo certo”, sem dúvida teria se equiparado a Sergei Bubka, o imbatível recordista mundial dessa modalidade do atletismo. Depois do anuncio da decisão resta desejar boa sorte a Yvonne com o novo corpo e gênero. Desejar também que o novo varão alemão se realize nas relações pessoais e, finalmente, não interrompa a carreira desportiva. Embora essa seja uma atividade organizada de acordo com as características sexuais aparentes, a estrutura dos cromossomos é sublevada, não deve estar distante o dia que serão oficialmente aceitas equipes mistas.
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Independente da causa, física ou psicológica, a transexualidade nos humanos é um processo que hoje em dia pode ser encarado com menos medo, trauma e preconceito, talvez por isso mesmo os casos estejam deixando de ser raros. A evolução da medicina tem ajudado as pessoas a encontrar o gênero desejado que, nem sempre, coincide com o qual se nasce. Mais complicado é o caso daqueles indivíduos cuja inadaptidão não é ao gênero sexual, mas à natureza humana. Pessoas que não se acham nem homens nem mulheres. Desejam ser tomates, amebas ou lava vulcânica. Para estes o tratamento é mais complicado.
Mutatis mutandis é o caso de quem precisa fazer tratamento para enquadrar-se ao gênero. Não-transexualidade foi o caso da judoca Edinanci Fernandes da Silva, que por pouco não foi às Olimpíadas de Atlanta, em 1996, por ser anatomicamente e cromossomicamente um rapaz, embora desempenhasse o papel social de uma moça. Para “permanecer” mulher ela teve de se submeter a duas cirurgias: uma para retirar os testículos internos, responsáveis pelo aumento da produção de hormônios masculinos e outra para corrigir uma hipertrofia nos órgãos sexuais, características genéticas que ocorre em muitas mulheres, mas que são inadmissíveis pelo Comitê Olímpico Internacional. A atleta paraibana, mulher macho sim senhor, foi, este ano, campeã Pan-Americana na categoria meio-pesado, no Rio. Vale lembrar que, em português pelo menos, a palavra atleta é um substantivo comum a todos os gêneros.
Anônimos trocam de sexo sem ser noticiados, famosos são manchete de jornal e todos têm de lidar socialmente (família, amigos, trabalho) com a questão da mesma forma. A primeira personalidade pública de sexualidade trans de que se tem notícia foi Jan Morris, escritora inglesa, nascida James Moris. Na sua autobiografia Conundrum: From James to Jan ela faz um relato semelhante ao de Yvonne, a sensação de estar no "corpo errado". Em 1972, aos 46 anos, o respeitável Sr. Morris, doutor honoris causa da Universidade de Gales, Comandante da Ordem do Império Britânico, deixou o lar, os filhos e a esposa para trocar de sexo numa operação feita em Casablanca, Marrocos. Morris é uma escritora com vasta obra publicada em inglês, infelizmente sem nenhum título lançado no Brasil.
Outro caso de personalidade pública de sexualidade trans que vale ser lembrado é o de Walter Carlos, músico extraordinário, compositor, intérprete americano de música eletrônica, professor acadêmico, pesquisador, que no inicio dos anos 70 mudou de sexo, passou a se chamar Wendy Carlos e saiu na Playboy, numa entrevista concedida em 1979. Carlos havia lançado, em 1968, o disco Switched-On Bach, que permaneceu por muitos anos como o álbum de música erudita mais vendido, na marca de um milhão de cópias. Antes de virar mulher ele ainda lançou The Well-Tempered Synthesizer, A Clockwork Orange (trilha sonora do filme de Stanley Kubrick) e Sonic Seasonings. Depois que virou mulher lançou Switched On Brandenburgs, um luxo de álbum duplo, antológico, com uma capa maravilhosa, interpretando os Concertos de Brandenburg, de J.S. Bach, num sintetizador Moog. Se munido com um sintetizador Carlos era maestro, orquestra e coro, portanto ele podia, dali por diante, ser o que bem entendesse, homem, mulher ou bicho. Carlos e Jan comprovam que, pelo menos na arte, senão em qualquer outra atividade, talento é uma questão absolutamente dissociada de gênero sexual.
Um pouco antes desses casos virem a público na mídia, Gore Vidal escreveu a novela Myra Breckinridge, que em 1970 foi adaptada para o cinema pelo diretor Michael Sarne. Myron (Rex Reed) transforma-se em Myra (Raquel Welch) numa operação com um médico maluco diante de uma platéia entusiasta. Depois da operação Myra vai a Hollywood, mas seu lado masculino continua se manifestando esporadicamente como alter ego. A novela (e o filme) é uma comédia de visão limitada por uma ironia que até homens esclarecidos, como Vidal, podem ter sobre a questão da sexualidade trans que, particularmente, não compartilho. Entendo a identidade de gays e lésbicas como duplamente afirmativa, a dos héteros como apositiva, a dos bissexuais como cambaleante, a dos trans como invertida, mas todas voltadas para o mesmo sublime objetivo, o prazer sexual, ao qual todos os outros prazeres se subordinam. Há, pois, de se garantir que todos os indivíduos gozem como e por onde sintam vontade. Que todas as razões conscientes sejam respeitadas.
Ganhar dinheiro, fama e prestígio com a bunda não é privilégio apenas das fábricas de cadeira. O modelo romeno Andrei Andrei, de 24 anos, é o novo “bumbum masculino mais bonito do mundo”, escolhido no concurso promovido pela grife de roupas íntimas Sloggi, realizado em 31 de outubro em Munique, Alemanha. O concurso é evento soft porn, anual, criado para promover a marca na Europa. O título feminino ficou com a búlgara Kristina Dimitrova, 19 anos, a brasileira Tatiana Coluci ficou em segundo lugar.
Não houve representante brasileiro na categoria masculina, o que é absolutamente inexplicável. Para participar do concurso os candidatos precisam apenas acessar a página da Sloggi, enviar suas fotos (não vale bumbum de fora) e torcer pela sorte. Todos podem votar e ser votados, pela internet, nas prévias para eleger os representantes de cada país que, depois, participam da final. Este ano o fotógrafo de moda brasileiro JR Duran estava entre os sete jurados que escolheram os dois felizardos. 10 mil euros, um seguro para o bumbum e um contrato para ser modelo da próxima campanha internacional da Sloggi é o prêmio que Andrei Andrei levará para casa em Timisoara, cidade onde vive com a família.
Magérrimo, parece que foi chupado pelo conde Drácula, seu vizinho na Romênia, de quem imita o olhar vamp. Esse físico é apenas o shape exigido pela profissão, Andrei Andrei não tem o bumbum que agrada alguns homens, do tipo rechonchudo, entretanto não há motivo para questionar o título, sem dúvida, seu bumbum é dos bons. É do tipo sequinho, firme e pouco volumoso, que permite fácil acesso ao fiofó, que é o que realmente interessa, no fim das contas, aos comedores de rabo. Seu blog, intitulado Versatile, dá uma pista sobre a sua preferência sexual, a mesma que os latinos preservam desde a Roma dos césares, da qual a Romênia é uma herdeira oriental tanto quanto o Brasil é um herdeiro ocidental.
Mesmo com a revoada de astros pornôs do Leste da Europa para o mercado ocidental não há informação se Andrei Andrei já fez algum filme pornô, gay ou hétero, que permita um exame de seus atributos físicos in motion. Traseiro de futuro auspicioso, se não deu no New York Times é porque não quis ou não encontrou ainda o caminho dos Estados Unidos. Tudo o que se pode cogitar dele só foi visto, até hoje, em fotos e desfiles, candidamente coberto por calças, sungas, cuecas e jockstraps. Amostra que deixou todo mundo querendo mais.
Se Nossa Senhora do Ó for mesmo poderosa, quem sabe ela não faz ele tornar versátil também sua profissão. Ave Maria cheia de graça...
Quantos heróis injustiçados há na literatura, no teatro e no cinema? Zilhões! O que há em comum em todos eles é que se arrombam antes de alcançar a redenção. As fontes de inspiração de Justice (Steve Scarborough, 2006) vêm de todas as narrativas ficcionais e dos tablóides; não daqueles carniceiros, mas dos que lançam uma nuvem de suspeita sobre a moral dos citados, de quem escreve e de quem consome algumas notícias, cujos fatos são lascívia do começo ao fim. A imprensa não narra sexo explícito, narra sexo implícito e inspira roteiristas enfastiados.
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Shane Rollins, que faz o protagonista Toby, é apelidado de Shane The Beautiful com alguma justiça, mas não é dessa justiça que o filme trata. Norteamericano, ele é versátil além da conta: pai de uma criança, possui esposa e faz até filmes bissexuais. Começou a carreira em San Francisco, Califórnia, como dançarino e stripper. Estreou na produtora Raging Stallion com o filme A Porn Star is Born (Chris Ward, 2003). A ascensão foi rápida e em 2004 recebeu o GayVN Awards, na categoria "Melhor Suruba de Três" pelo filme Gay Dreams (Chris Ward, 2003). Fez ensaios fotográficos para várias revistas exibindo uma anatomia afeita à função. Dono do próprio passe, não é modelo exclusivo de nenhuma produtora, fez filmes para várias delas. Pode estar vivendo a melhor fase de sua carreira, mas já manifestou planos de começar a dirigir filmes porque a carreira de ator no pornô gay é curta e parece que dirigir é fácil.
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Não é do tipo que, confiante na beleza física, se prende a ela como valor de interpretação, pelo contrário, Rollins faz uma caracterização convincente do personagem, algumas vezes parece mesmo que não gosta de chupar pau. Branco, cabeça raspada, de cavanhaque, não é malhado, tem corpo e pau medianos, a bunda, entretanto, é acima da média, ele só depila estrategicamente, talvez em função da fotografia, tem cameraman que diz que pentelho no cu dificulta o foco, bobagem. Em Justice ele faz o papel de um cara que se julga igual a outro qualquer, órfão, criado pela avó, costumavam ir à igreja juntos, estudou bastante e quando se viu sozinho, sem família, deixou a cidadezinha onde nasceu e foi a San Francisco em busca de “oportunidades”. O mítico motorista de táxi de Brizola diria que um sujeito com todos esses predicativos só podia mesmo ser boiola. Nem tanto, o acaso teve chances, ainda que mínimas, de tê-lo introduzido na vida gay de São Francisco de uma forma mais amena. Tudo poderia ter sido diferente se ele não fosse confundido com um traficante de drogas, que se evadiu e detido por dois policiais (Tony Mecelli e Robert Van Damme) e na delegacia sofreu averiguações minuciosas e profundas. Sorte ou azar dele? O roteiro não é maniqueísta, prevalece a idéia de que a vida é um eterno perde-e-ganha.
O método de investigação tem a objetividade dos laboratórios científicos. Toby resiste aos policiais, então ele são obrigados a cometer algumas violências antes que ele consinta, docemente, que lhe introduzam picas na boca. Uma averiguação retal também é necessário. Depois de uns 20 minutos de peleja Toby, finalmente, percebe o rigor do método e adota a receita de quem no Brasil anda com a mala na mão: relaxa e goza várias vezes. Policiais são brutos e grossos, nem sempre bonitos, roguem a Nossa Senhora do Ó para que pelo menos sejam tesudos como Van Damme e Mecelli, dois sexe objecte prêt à porter. O caso de Toby é fichinha se comparado às vicissitudes do plano da realidade. Advirto os irredutíveis virgens anais que existem coisas piores do que um ou mais paus no cu. Preservem a vida e lasquem as partes pudendas. Não se leva a sério uma moral sem crédito anatômico. Justiça sempre dói em alguém, por isso deve ser feita à bunda que é anti-impacto, justiça à pau é linchamento. Não foi à toa que o criador guarneceu o cu, um ponto indubitavelmente sensível, no fundo de um vale ladeado por dois amortecedores semiesféricos que serviram de modelo à indústria automobilística para criar os airbags. A bunda agüenta o tranco e o cu é para o prazer.
É prática corriqueira entre os traficantes a introdução voluntária de pacotes contendo drogas nas cavidades íntimas. Também é corriqueira a introdução forçada de objetos pontiagudos no ânus como forma de coação, supostamente desmoralizante que, na intenção de conseguir uma confissão, só causa danos físicos. Os fora-da-lei de elite, da esquerda e da direita, que se pegaram nos anos da Ditadura Militar brasileira podem dar melhor testemunho disso. Muitos filmes foram feitos sobre eles, nenhum pornô gay. Se considerarmos as tintas de Tropa de Elite (José Padilha, 2007) como parâmetro para a realidade, a cena que o Capitão Nascimento ameaça meter um cabo de vassoura no cu de um boy do morro para conseguir uma confissão dá a certeza de que esse tipo de tortura ainda existe e não é praticada apenas pelos representantes do Estado, é disseminada por toda sociedade. Se os gays dão por prazer e os hetero são forçados pelas circunstâncias, realmente falta bunda pra fazer justiça.
Conduzido ao xilindró, Toby é recebido a pau novamente. Reza a tradição que quando chega um prisioneiro novo ele tem de servir sexualmente aos companheiros mais antigos de cela, é um ritual de submissão à lei do local. Homens jovens e confinados é uma situação explosiva da porra; vira uma suruba. Essa tem a participação dos atores Nick Piston, Brad Star, Jordan Vaughn e o protagonista Rollins. Números pares de participantes numa suruba tendem a formar casaizinhos que fazem swing, situação que se pode evitar colocando mais um. Com a superlotação dos presídios brasileiros a suruba aqui seria numericamente maior, talvez não fosse melhor porque Justice reúne atores escolhidos a dedo e à régua: Vaughn (baixinho e torado) e Piston (sexy e enfezado) merecem ser vistos e revistos em slow motion.
Sexualmente abusado pelos tiras e pelos companheiros de cela, Toby também chafurda com o advogado (Ty Hudson), o homem que deveria defendê-lo. Mas entre eles não há forçação de barra, pelo contrário, cria-se uma situação negociada, Toby compactua em troca de um benefício pelo qual não pode pagar nem prescindir. O advogado é um chupão gente-fina se comparado com os tipos que ele encontrou no infortúnio da cela e da delegacia. A lábia do bacharéu explica porque essa seqüência só apresenta sexo oral.
Este filme é recomendado para quem não resiste à sensualidade de homens calejados nos anos, como Ty Hudson, que tem algo de Robert de Niro. Mesmo Shane Rollins, que afirma ter 25 anos, parece ter mais. A platéia que aprecia maduros é vigorosa, resta saber se essa admiração não é escárnio. Outro veterano que aparece na tela, em um papel não-sexual mas que ainda está tinindo, é o diretor, Steve Scarborough, 54 anos, egresso da Falcon Studios, onde foi diretor a partir de 1988 até pouco antes de criar, em 1993, a sua própria produtora, a Hot House, e começar a escrever, produzir, dirigir e até atuar nos próprios filmes. Esse passado na Falcon explica muito do seu estilo previsível. Justice peca por excesso de correção, por não sair da linha. Morno, falta ousadia. A direção se atém a fórmulas consagradas de fazer filme pornô gay, opção apenas medianamente válida e para quem acredita que o gênero se presta apenas para punheta. Não que punheta seja pouco, alguns filmes nem servem para isso, mas repetir tanto a mesma fórmula é como trepar todo dia com a mesma pessoa, esgota o interesse pois já realizaram-se todas as fantasias. Com um parceiro sexual essa situação é contornável, com um diretor de filmes de Pornwood não é a mesma coisa. Ele acomoda-se porque a fórmula velha sempre será nova para as platéias que ingressam no mercado ao completarem 18 anos. Para esses tipos de filme foram inseridas as cenas extras de erros e percalços. Registrados pela câmera muitas vezes essas cenas são mais interessantes do que o próprio filme.
A saga continua e Toby se livra do advogado. Instruído por este, vai ao ambulatório da prisão tentar uma boquinha. Lá ele procura convencer o médico (Kent North, falecido em julho último) a lhe conceder um isolamento onde fique à salvo das sevícias. O médico examina seu corpo latanhado e, mesmo diante das evidências de abuso sexual, nega-lhe o pedido. Isso foi mais uma injustiça. Quem ganha tratamento vip com pouco esforço é outro careca de cavanhaque (Nick Horn, não confundi-lo com Shane, que tem tatuagens). Na maca ele transa com o médico e com o enfermeiro (Carlos Morales), os três engatam um trenzinho da saúde com o médico no meio. Com dois atores passivos da qualidade de Morales e North e um versátil feito Horn, acaba faltando pau para fazer o linchamento. A carência é resolvida pela indústria de plásticos, que comercializa nos Estados Unidos cerca de 50 milhões de dildos por ano. Nessa cena, um deles foi parar no cu de North.
Julgado e condenado a quatro anos de detenção, Toby volta ao xilindró. Aí ele reencontra o traficante com o qual foi confundido no começo do filme (Trevor Knight). É a hora de acertar as contas, alguns diriam que é a vingança da gansa, porque a pica de Shane lembra perfeitamente o pescoço dessa ave. Um guarda voyeur (Mike Roberts), se diverte do lado de fora da cela sem se envolver. Não há o que vingar, os dois fazem um troca-troca apasiguador. Se não houve crime aquela prisão não é exatamente o que se pode chamar de castigo. Essa seqüência tem pouco sentido e a transa é oca como num filme de lésbicas.
Na corte de apelação o herói injustiçado não quer privilégios, quer justiça, e ela se realiza numa suruba de cinco (Marco Paris, Marc Williams, Duke Michaels, and Parker Williams). Marc Williams é um ator negro com uma pica em cinemascope, escreveria uma epopéia para falar de sua grandeza, mas isso não cabe aqui. Os outros atores fazem seu trabalho com disposição, mas cor da pele de Marc Williams sempre desvia o nervo ótico para aquela matéria escura que adensa corpos cavernosos melanófilos.
É sacanagem contar o final do filme? Não neste caso, porque é maçante ver a maneira como filmes feitos em Pornwood não fogem sequer à regra mais elementar, a do happy end. Fazer um filme sobre um herói injustiçado cria expectativa na platéia para saber o destino do protagonista, essa expectativa precisa ser melhor recompensada. Um herói pode surgir da mais vil corja, como os usineiros e os ministros de estado que tiveram suas dignidades surpreendentemente resgatadas pelo Presidente da República. Enquanto a realidade parecer cada vez mais com a ficção e os filmes pornôs permanecerem tão ruins em produzir subjetividade, muita gente pode preferir a diversão proporcionada pelos documentários e pelas narrativas dos tablóides que inspiraram o filme. A situação se agrava em Justice com um diretor que também é produtor que acaba trazendo para o filme questões isentas de inteligência e criatividade.
Pela carinha de feliz que Toby faz no fim do filme imagina-se que em casa vá sentir por um bom tempo, na bunda justiceira, a dor da saudade, mas a platéia pode acabar com dor no ovo por não encontrar em Justice uma cena que mereça uma boa esporrada.
Festivais de cinema gay existem às dezenas e foi inserido na coluna à direita uma lista deles - FESTIVAIS PELO MUNDO - com os respectivos links para quem se interessar mais pelo assunto. Embora premiem o esforço de quem dá duro, são um desfile sem fim de beldades, de gente que se leva a sério demais, de autobajulação, idiocrasias e, queiram ou não queiram os juízes, de justiças e injustiças. Já passou da hora de criar um prêmio alternativo de cinema gay, como há o IG Nobel e o Golden Raspberry Awards que fazem homenagens bem humoradas e alternativas ao mainstream. Os agraciados com este prêmio seriam os indefensáveis avesso do avesso.
Numa cerimônia de gala, com pompa e circunstância, os organizadores do Festival Internacional de Cine Erotico Gay de Barcelona – HeatGay anunciaram no último dia 07 os premiados do ano:
Melhor Filme Espanhol: Open Your Fucking Mouth (Private) Melhor Filme: El Rancho (Kristen Bjorn Productions) Melhor Diretor: Kristen Bjorn, por El Rancho (Kristen Bjorn Productions) Melhor Filme 100% Sexo: Dot Cum (Cazzo Films) Melhor Ator: Jean Franko, em El Rancho (Kristen Bjorn Productions) Melhor Ator Coadjuvante: Alberto de Palma, em Dirty Raw Bastards (Jalif Studio) Melhor Roteiro: El Rancho (Kristen Bjorn Productions) Melhor Produção Film: Boiler (Titan Media) Seqüência de Sexo Mais Original: Nº 4, de Mating Season (Bel Ami) Melhor Capa: Black and Blue (Hot House Entertainment) Prêmio Especial: Ediciones Zero
O grande premiado foi El Rancho, que levou nas quatro categorias que concorreu. O HeatGay, se comparado aos norteamericanos GAYVN Awards ou ao Grabby Awards, ainda é uma amostra modesta das tendências do mercado, mas ganhar em Barcelona não é fácil, Kristen Bjorn concorreu com algumas feras do pornô gay mundial. As edições número dez do GAYVN Awards e do Grabby acontecerão em 2008; a primeira em fevereiro, em San Francisco, Califórnia; a segunda em maio, em Chicago, Illinois. Bjorn já foi agraciado com esses dois prêmios.
Em 1998, com Manwatcher (Sarava Productions) ele recebeu o GAYVN Awards. Neste filme, sobre voyeurismo, o protagonista, Ferenc Botos, diz que mais do que transar o que ele gosta mesmo de fazer é olhar. O desfecho do ardil sai dos olhos da cara para o olho do cu. É uma dicotomia que em El Rancho se repete com pouca variação, neste a questão resume-se a sonhar ou realizar os sonhos. Comparativamente Manwatcher era um filme com predominância de tipos do leste europeu, em El Rancho Bjorn traz de volta o espírito sexy latino, talvez seja esse mais um motivo da boa recepção em Barcelona. O filme, cuja versão estendida tem 3:15 hs de duração, é uma ousadia, pois raramente estes filmes têm mais de 2:00 hs; os estúdios quando têm muito material gravado costumam dividi-lo em duas partes, como em The Velvet Mafia e Cross Country (Falcon), Justice (Hot House Entertainment), La Dolce Vita (Dimarco/Lucas Film) ou Rocks and Hard Places, do próprio.
Ator, por volta de 1983 Bjorn fez filmes na Falcon (Biker's Liberty, The New Breed e Boots), produtora onde ganhou essa alcunha (seu nome verdadeiro é Robert Russel), diretor, fotógrafo, produtor, roteirista, 50 anos, nasceu na Inglaterra, mas tem um pé no Brasil, onde é considerado o vovô do pornô gay e onde filmou, entre 1988 e 1989, Tropical Heatwave, Champs, Island Fever e Carnival in Rio. Saiu daqui nos anos Collor, foi trabalhar noutras plagas com modelos de várias procedências, criando um estilo world porn. É o tipo de diretor que constrói uma trama que não é simplesmente a emenda de episódios de sexo, são ações que se intercruzam e justapõe-se como fazem diretores com estilo, atendendo a platéias mais exigentes mas na medida certa pra não broxar o pau com inequações da psique e logaritmos de linguagem.
Em El Rancho o motivo que liga as cenas de sexo são a realização dos sonhos. Carlos (Carlos Montenegro), o rancheiro, é casado com Cristina, uma mulher que ele afirma poderia ser o desejo de qualquer homem. Mas com o rabão que ele tem sente falta é de algo que o complete, ou seja, falta de piroca. Usar os sonhos como argumento evita-se o lado maçante da racionalidade que às vezes as obras de ficção pedem. Bem temperados, os filmes de Bjorn apresentam um clima onírico e uma teatralidade real. Como os sonhos são recorrentes no indivíduo, sexo entre homens deve ser o sonho (ou pesadelo) mais recorrente entre os heteros; ao contrário, para os homo, essa é a mais dura realidade. Este filme é altamente recomendado para instruir o leitor hetero, casado com uma mulher gostosa, do quanto é natural pelo menos sonhar dando a bunda. Realizar são outros quinhentos.
Os sonhos de Carlos começam no leito conjugal mesmo, ele se enfastia da mulher e delira com Jean Franko e Tommy Alvarez dando as primeiras leitadas. Que rico, papi! Em algum ponto do inconsciente dele Murat Cipriere e Carlos Dipone fazem uma sacanagenzinha, enquanto Carlos se vê no próprio sonho pegando David Vega pra uma foda. Esse sonho é uma amostra das surubas que vêm a seguir, pois termina com uma que reúne Montenegro, Vega, Cipriere, Dipone, Franko e Alvarez. Franko, com uma cara de cafuçu inigualável, é lindamente gangbangeado, mas a atuação dele é insuficiente pra justificar o prêmio de melhor ator em Barcelona. Melhor papel ele fez, por exemplo, em The School for Lovers (Lucas Kazan Productions), interpretando um improvável preceptor filósofo, o que lhe deu o GAYVN Awards de melhor ator em 2007.
O sonho acaba, o dia amanhece e dois peões, Rocky Oliveira e Peter Paver, já vão para a função. Esta cena é um retrato da desigualdade social latina em matéria de atitude perante o impulso sexual: a peãozada, diferente do patrão, realiza seus desejos em vez de apenas sonhá-los. Os dois vêem a flamejante mulher de Carlos e a desejam, numa atitude caricata de amantes latinos. Oliveira diz a Paver: “Se você fosse ela eu te chuparia assim...” e abocanha uma pica. A contradição se resolve a pau, como sói acontecer entre os latinos, depois enviesam uma foda que entra pela perna do pinto e sai pela perna do pato. Mas aí intervém Ricardo Safado, um brasileiro gigante pela própria natureza que serve os dois de sobra. Fazem um trenzinho homocinético com Safado no meio. Se a dois a coisa estava de viés a três vira de revestréis. Safado tem um rolex mais cobiçado do que o de Luciano Huck. El Rancho é falado em várias línguas, as frases em português são particularmente picantes quando Safado, grande chupador, abre a boca pra falar, parece que se ouve a voz dos morros de Ferréz. Quando abre o cu dá com afinco e ginga como um pandeiro.
No rancho fundo o clima caipira, com cavalos e chapéu de palha, é subitamente substituído por armas e roupas de combate quando a ação que se transfere bem pra lá do fim do mundo onde vivem guerrilheiros fodões. Essa inserção é artifício para deixar o ambiente ainda mais latino, felizmente eles nem de longe lembram os nossos guerrilheiros feios e autoritários. Depois de dar feito uma cachorra, Rocky Oliveira explica que já foi um deles e a câmera começa a mostrar cenas de caserna que, como se sabe, atiça a fantasia de nove entre dez homossexuais. Alex Ferrari e Fabian Andrade fazem a primeira seqüência, Andrade é um negro de cabeça raspada que faz um boquete em Ferrari com muita perícia, Ferrari retribui com uma sentada majestosa na pica preta do amigo. Dois outros guerrilheiros treinam kickboxe, são eles Mike Gonda e Tibor Cernan, atores do leste europeu, hoje, talvez, o maior produto de exportação daqueles países, eles dão uma trepada correta mas quase burocrática. O design da pica de Cernan é curioso, parece um pé-de-cabra, faz um passivo merecedor de uma pica média como a de Gonda. Em seguida os quatro guerrilheiros se reúnem e fazem uma suruba num porão inundado com uma água verde de surpreendente efeito cenográfico. Para criar esse cenário Bjorn deve ter se inspirado na piscina vermelha do Unique Hotel, de São Paulo, ou nos porões do Mercado Modelo, de Salvador, locais onde baianos e paulistanos se jogam. No plano geral e nos detalhes percebe-se o empenho do diretor em usar cenários e indumentárias que fazem a fantasia ir além do ordinário, a composição é aquilo que na língua inglesa classificam de gaudy, um adjetivo que deriva do nome do arquiteto catalão Antoni Gaudí. Coerente pra caralho!
A ação volta ao rancho, os guerrilheiros são deixados na Sierra Maestra de araque. A mulher de Carlos foi às compras e ele recebe uns amigos vaqueiros em casa. Peter Berg, Jorge Ballantinos e Tony Duke fazem logo um tricotê. Berg é um branquelo que dá bonito. Mas logo vem a seqüência da dupla que tá bombando no pornô gay: Daniel Marvin e Pedro Andréas. Marvin, usando chapéu de palha, parece Chico Bento; com o parceiro Andréas eles fazem a única cena bareback do filme, um troca-troca que beira a perfeição. Não foi por acaso que eles foram escolhidos para ilustrarem a capa do DVD, porque dá vontade de meter a mão e levar o volume pra casa. Eles são uma dupla afinada na foda, só têm paralelo nas duplas afinadas na viola, são, até essa data, a maior contribuição dramática ao gênero oriunda do Brasil. Em seguida, numa suruba de cinco, Marvin e Andréas sodomizam Ballantinos, Duke e o branquelo Berg, este agraciado com uma dupla penetração certeira.
No clímax chega o dono da casa, Carlos. Como ele não é nenhum empata-foda, junta-se aos cinco numa punheta coletiva na piscina para encerrar a jornada diária no rancho. No dia seguinte a esposa de Carlos exaspera-se por causa de uma opinião dele a respeito de seu vestido, por esse motivo ele vai a um encontro com os amigos desacompanhado. Então rola a enésima suruba do filme, com Jordi Casal, Alex Brinsky e Matthias Vannelli. Nessa ocasião ele se enrabicha por Jodi e Cristina flagra eles numa situação que explica, finalmente e só pra ela, a causa do fastio sexual de Carlos. Discutir por causa de homem não é o mesmo que discutir por causa de um vestido. Se não me falha a memória ela fica com o vestido.
Inovador, Bjorn criou um timimg, uma estrutura de montagem e ação que lhe são próprias. Criativo, sua obra marca a renovação dos filmes pornô gays dos anos 80. Inquieto, quando as gozadas sem as mãos tornaram-se sua marca, amainou essa incontinência previsível. Entretanto, inserir nesse filme uma personagem feminina num papel arquétipo foi a grande mancada de Bjorn que nem em sonho se justifica. Aquela cachopa dispensável faz desmerecer a entrega do prêmio de melhor roteiro em Barcelona a El Rancho. Entretanto os prêmios de melhor filme e melhor diretor foram perfeitamente justos. O consolo é que não existem obras perfeitas, a imperfeição é o que motiva continuar produzindo-as. Kristen Bjorn já deu muito e espera-se que dê muito mais.
Saiba mais: Acesse o site da produtora Kristen Bjorn.
Este blog analisa filmes pornôs gays e todas as atividades relativas a eles. O conteúdo aqui publicado discute e opina sobre questões de sexualidade, principalmente homossexual. Os termos utilizados podem ser considerados chulos, entretanto são os mais apropriados para tornar claras as idéias do autor, como preconizou Charles Sanders Peirce.
Autoconsiderado como o Reader's Digest da tradicional família pornô gay pernambucana, foi adotado por toda comunidade lusófona pornófila.
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