Sexo aguado
Contra o veto e não contra o filme
A apresentadora da MTV Brasil, com nome de molho de tomate e físico de espaguete, Daniela Cicarelli, junto com um namorado Renato “Tato” Malzoni (ele é uma massinha) e o desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Ênio Santarelli Zuliani (quanto sobrenome italiano!) protagonizaram no começo deste mês uns dos episódios de vezo mais autoritário que se tem notícia no Brasil desde o empastelamento do Diário Carioca, em 1932. Para garantir os direitos à privacidade do casal que despreza a privacidade o desembargador tomou uma decisão que deu notoriedade extra e publicidade gratuita para todos os três principais envolvidos. Publicidade é uma mercadoria valiosa e nunca é pouco pra quem não pode viver sem milhões. Todos tiveram pelo menos 15 minutos de fama? O episódio em Tarifa, Espanha, teve custo incalculável no Brasil: a proibição do acesso ao site YouTube, determinada pela Justiça no último dia 5.
Não costumo separar os fatos dos filmes, como Evaldo Coutinho, em A Subordinação ao Nosso Existir, minha posição é a do espectador na ultima fila, vejo o filme e a platéia, observo a projeção e a realidade ao mesmo tempo. Mas, nesse caso particular, sou obrigado a fazer uma distinção porque enquanto o filme é absolutamente inofensivo se comparado ao que já se viu em telas, impedir o acesso ao site e ao seu conteúdo é um ato de violenta canetada. É contra o veto e não contra o filme que faço objeção porque depois dele qualquer conteúdo da internet pode estar sob ameaça, inclusive este blog. Não tocaria neste assunto se não fosse a notícia desta quarta-feira, 17 de janeiro: desembargador diz que bloqueará site outra vez caso não se “providencie a instalação de software com poder moderador das imagens cuja divulgação foi proibida”. Ou seja, a ameaça ainda paira sobre a rede no Brasil.
Não vejo filmes pornô hetero nem faço comentários a respeito deles, abro exceção para algumas obras que são referencias, como a Garganta Profunda e Atrás da Porta Verde, por motivos já justificados aqui no blog. Entretanto, depois de toda esse imbróglio decidi assistir e comentar. Me preservei o quanto pude mas, enfim, eles conseguiram chamar a minha atenção, o último dos internautas que se interessaria finalmente cedeu. Ponho em dúvida se a intenção era promover ou proibir a divulgação, se foi proibição ela é impraticável na rede e fora dela: o camelô da esquina vende num tabuleiro e qualquer internauta pode armazenar, copiar e distribuir com facilidade. Tem gente que adora praticar o impraticável e eles podem estar em qualquer local, inclusive no Judiciário. Lembro de um caso anedótico ocorrido no período de endurecimento do regime pós 64 quando uma peça desagradou os censores de plantão; estavam ensaiando a adaptação de Oduvaldo Vianna Filho para a tragédia grega Medéia, em 1972. Os servidores públicos encarregados de fazer censura aos espetáculos não perdoaram o autor aquela história sobre uma mãe infanticida e mandaram prendê-lo. Eurípedes (431 a. C.), recebeu voz de prisão no Brasil mais de 2 mil anos depois de sua morte.
Antes da proibição eu já tinha ouvido falar sobre o filme desse casal que não sente pejo de transar na praia, eu até estranhava que se desse importância a um filme que mostra um fato corriqueiro, afinal, no Brasil os casais namoram escandalosamente em locais públicos sem causar alvoroço do povo nem intervenção da polícia. Somos tolerantes, quem passa na praça e vê um casal afoito faz de conta que nada está havendo e segue seu caminho; na internet deve ser do mesmo jeito, cada um vê o que quer, quem decide é o usuário maior ou seu responsável, é uma questão de foro intimo tomada dentro de casa. Um filme como esse poderia ser feito comodamente da janela de qualquer apartamento defronte a um parque, praça ou praia. Qualquer um pode flagrar anônimos ou talvez famosos no logradouro público cometendo este ou outro ato de maior gravidade. Contam que o ex-presidente Figueiredo, ainda durante o mandato, tinha por hábito namorar no Parque da Cidade, em Brasília (DF), uma amásia teúda e manteúda chamada Edine. Isso é um fato de importância secundária na vida do último dos Generais que governou o Brasil, mas eu cito essa história, que não provo ser verdadeira, porque para onde quer que se aponte uma câmera haverá um fato extraordinário, não pelo fato em si, mas pelo poder transformador da imagem captada pela câmera e projetada. Não fosse esse poder, o cinema, invento dos Irmãos Lumiére, confirmaria a o engano deles de ser "uma invenção sem futuro". No filme as pessoas que estão na praia não dão muita importância ao casal, a ação só tem algum interesse para quem se posiciona com espectador devido ao trabalho de fotografia, edição, sonorização, aspectos técnicos sobejamente dominados pelo cinema. O que é externo aos filmes é o trabalho de divulgação, que se faz com artifícios de toda espécie, inclusive demonstrando hoje dos pudores que não tiveram ontem.
Não faz tempo Xuxa Meneghel conseguiu evitar o acesso ao filme Amor Estranho Amor (Walter Hugo Koury, 1982), num outro caso acintoso do qual foi vitima a pobre indústria do audiovisual brasileiro. Em Amor Estranho Amor Xuxa encena um ato sexual com um menor de idade; contam que, pelo fato dela ser uma péssima atriz, o diretor pediu que ela transasse de verdade. O filme foi embargado pela justiça para proteger a imagem de Xuxa, e não do ator Marcelo Ribeiro, na época do filme uma criança de apenas 12 anos que depois disso despontou pro anonimato. Marlene Mattos, a gerentona de Xuxa, detém até hoje os direitos de exibição do filme e não negocia. Debalde os esforços da parte interessada, quem quiser ver o filme completo ou as cenas que levaram à interdição não terá muita dificuldade, eles estão na internet, é pura pedofilia e hoje é crime baseado no Art. 240 do Estatuto da Criança e do Adolescente. O individuo pode tomar essa providência, banir uma obra que prejudique seus interesses usando seu próprio dinheiro para comprar os direitos de divulgação e tantas cópias quanto for possível. Ainda assim não há nada no mundo que impeça que esse ou aquele filme volte a reaparecer. A semelhança entre os casos de Xuxa/Amor Estranho Amor e Daniela Cicarelli/Una Tarde de Amor são muitas, a começar pelo gosto das duas por chuteiras milionárias. Nos dois episódios prevalece o interesse do indivíduo em prejuízo da sociedade e dos princípios mais elementares da liberdade e da justiça democrática. Nos dois há a desconfiança de que se utilizou os direitos legais dos cidadãos pra promoção pessoal e publicidade de indivíduos. Nos dois se pode dizer que há um completo desconhecimento da realidade de um mundo em rede que não permite hoje guardar informação em lugar seguro por muito tempo. Nos dois há o poder econômico favorecendo decisões, a modelo declarou não ter ligação com o veto, a ação foi movida por Malzoni, o milionário.
O desembargador não determinou a proibição do vídeo para permitir que os casais se amem cada vez mais ao ar livre sem ser incomodados pela imprensa, o que seria, a meu ver, uma decisão louvável. O senhor e a senhora assiduos leitores desse blog não se sintam estimulados a fazer o mesmo que Cicarelli e Malzoni fizeram porque podem ir em cana por violação do Título VI do Código Penal que trata dos crimes contra os costumes. Duvido que na católica Espanha as leis sejam mais tolerantes do que no Brasil com um casal que não se controla e faz ali mesmo aquilo que o costume reserva para um local mais adequado. Transar na praia cheia de gente é um ato antisocial equivalente a sujar as vias públicas, uma afronta pela qual eles deveriam ser punidos, segundo as leis. Mas não, receberam indulto e regalos. O filme e as paródias dele puderam engordar os orçamentos de quem vive de restolhos. Mas a partir dele e de carona na polêmica foi feito um filme educativo contra o mosquito da dengue “que se reproduz na água” pela Secretaria e Saúde do Rio Grande do Sul. Sempre se pode tirar boas lições das más ações.
Se diz que o desembargador emitiu a sentença favoravelmente ao casal porque não entende de internet nem das novas tecnologias, sei da existência desse tipo de servidor público que ocupa cargos de chefia e nem sabe ligar um computador porque possui assessores para isso, eles não encontrariam vaga no mercado de trabalho. Mas será que ele viu o filme ou sua decisão foi baseada apenas no parecer do perito? Dá pra imaginar a exibição no tribunal? Na tela do computador ou em TV de plasma gigante? Ele se excitou? Quantas vezes viu? Não seria possível também emitir uma ordem de prisão internacional contra o paparazzo Miguel Temprano como a que o juiz espanhol Baltasar Garzón, contra Augusto Pinochet, em 1998?
Semelhante a Bart Simpson com a desculpa “eu não fiz isso” dita no show do Palhaço Krusty, o desembargador voltou atrás poucos dias depois e, em novo despacho, afirmou que não tinha a intenção de bloquear o serviço do YouTube, mas sim, o vídeo do casal. Tarde demais, ordens judiciais têm de ser cumpridas mesmo que tenham os maiores disparates, esse vídeo está imortalizado em bits, que se reproduz mais rápido que gafanhotos. Aos internautas resta a desobediência civil, legítima, de multiplicá-lo quantas vezes for possível. O desbloqueio do YouTube foi sob a condição de “ser mantida a determinação para que se tomem providências no sentido de se bloquear o acesso ao vídeo de filmagens do casal, desde que seja possível, na área técnica, sem que ocorra interdição do site completo”. Ou seja, condição técnica de bloqueio há mas é inócua, a única pessoa que vê eficiência nesse bloqueio é o Perito Judicial Paulo César Breim, responsável pelo laudo no qual se baseou o despacho do desembargador Zuliani. O perito desperdiça talento e ganha pouco no Brasil, poderia ir trabalhar no Irã para fazer cumprir a vontade dos aiatolás e ganhar em petrodólares.
Não cabe ao casal pedir qualquer reparação de dano, eles foram irresponsáveis ao fazer sexo em lugar publico, arquem com as conseqüências ou processem o paparazzo, de preferência na Espanha, mas não o fazem porque a justiça espanhola dificilmente aceitaria os argumentos, só no Brasil isso é possível, porque aqui prospera uma “indústria da idenização” por dano moral, como foi admitido pelo próprio Zuliani em entrevista onde afirma ainda que “ninguém me prova que existe a indústria de sentenças concedendo o dano moral”. Realmente não há indústria porque a justiça no Brasil é contraproducente. Quem constatou que não há indústria pode ter acabado de criá-la.
O que se tem a dizer sobre o filme é muito pouco, se fez muito barulho por nada, não é bom, mas também não é ruim, tem poucos minutos, o que é uma vantagem. Mas poderia ser ainda mais curto, se na edição tivesse sido suprimida a cena do sargaço na sunga dele, ninguém precisa ver como o pós-coito é anticlimax. É um softcore, bareback e aguado. Agrada o físico dos protagonistas, isso sempre conta num filme pornô, ela não é feia, muito menos ele, são jovens de bom aspecto, parecem de família, detalhe que apimenta gêneros pornográficos hardcore. A câmera toma a posição de um voyeur, é um ponto de vista muitas vezes explorado pelo cinema e eles assumem perfeitamente o papel de exibicionistas muito mais para a câmera do que para o povo na praia que parece não lhes dar atenção. Em um cenário paradisíaco o aspecto de reality show solapa qualquer demonstração de romance que se vê em filmes amadores de casais feitos em motéis vagabundos.
La pareja busca intimid, é uma legenda que nos dá a certeza de que eles estão posando em conluio com o fotógrafo da cena, o diretor poderia ter sido mais cuidadoso e suprimido esta legenda, elas são o recurso gráfico que encaminham o sentido da narração mas sem elas o sentido não fica prejudicado. O enredo é de um casal cuja a moça se mostra muito mais excitada que o rapaz, como se ela tivesse acabado de receber um anel de diamante. Ele, que certamente foi quem pagou pelo anel, demora um pouco entrar no clima como se tivesse ainda fazendo as contas, mas se decide entrar no jogo para não ficar no preju, pra cumprir o roteiro e porque a intérprete age como se tivesse possuída pelo fogo eterno que só se apaga com um oceano. Deliberadamente se evitou fazer um filme de sexo explicito porque o publico dela é predominatemente juvenil na MTV, entretanto não se evitou a exposição de parte da genitália do “tonto” (o nome dele não aparece nos créditos), o que para o publico gay é a melhor parte.
Tecnicamente sexo dentro d´água salgada exige que a moça tenha uma lubrificação com muita hidrofobicidade ou uma dilatação estupenda, segundo uma informação que me foi passada por uma colega que faz contra-regra em filmes pornô lésbico, que acrescentou: “a ação do desembargador e a do casal são igualmente difíceis de por em prática”. O que coloca em dúvida se houve ou não coito, pois não o vemos, tudo pode ter sido apenas um sarro subaquático, nada mais.
O filme, por ser curto, por não ser sexo explicito, não é suficiente pra comprovar, mas pelo desempenho em ambiente tão impróprio se pode concluir que, diante das câmeras, Cicarelli vai progredindo, talvez o aprendizado na MTV tenha sido uma escola, quem sabe não está nascendo aí uma nova estrela brasileira do pornô? Comparativamente Una Tarde de Amor é melhor do que o Beija Sapo, mas é inferior a 1 Night in Paris, o filme de sexo explicito estrelado por Paris Hilton e seu namorado Rick Salomon.
Continuará? Quem gosta do gênero deve torcer para que saia logo Una Tarde de Amor 2.