El Rancho premiado no HeatGay 2007
Festivais de cinema gay existem às dezenas e foi inserido na coluna à direita uma lista deles - FESTIVAIS PELO MUNDO - com os respectivos links para quem se interessar mais pelo assunto. Embora premiem o esforço de quem dá duro, são um desfile sem fim de beldades, de gente que se leva a sério demais, de autobajulação, idiocrasias e, queiram ou não queiram os juízes, de justiças e injustiças. Já passou da hora de criar um prêmio alternativo de cinema gay, como há o IG Nobel e o Golden Raspberry Awards que fazem homenagens bem humoradas e alternativas ao mainstream. Os agraciados com este prêmio seriam os indefensáveis avesso do avesso.
Numa cerimônia de gala, com pompa e circunstância, os organizadores do Festival Internacional de Cine Erotico Gay de Barcelona – HeatGay anunciaram no último dia 07 os premiados do ano:
Melhor Filme Espanhol: Open Your Fucking Mouth (Private)
Melhor Filme: El Rancho (Kristen Bjorn Productions)
Melhor Diretor: Kristen Bjorn, por El Rancho (Kristen Bjorn Productions)
Melhor Filme 100% Sexo: Dot Cum (Cazzo Films)
Melhor Ator: Jean Franko, em El Rancho (Kristen Bjorn Productions)
Melhor Ator Coadjuvante: Alberto de Palma, em Dirty Raw Bastards (Jalif Studio)
Melhor Roteiro: El Rancho (Kristen Bjorn Productions)
Melhor Produção Film: Boiler (Titan Media)
Seqüência de Sexo Mais Original: Nº 4, de Mating Season (Bel Ami)
Melhor Capa: Black and Blue (Hot House Entertainment)
Prêmio Especial: Ediciones Zero
O grande premiado foi El Rancho, que levou nas quatro categorias que concorreu. O HeatGay, se comparado aos norteamericanos GAYVN Awards ou ao Grabby Awards, ainda é uma amostra modesta das tendências do mercado, mas ganhar em Barcelona não é fácil, Kristen Bjorn concorreu com algumas feras do pornô gay mundial. As edições número dez do GAYVN Awards e do Grabby acontecerão em 2008; a primeira em fevereiro, em San Francisco, Califórnia; a segunda em maio, em Chicago, Illinois. Bjorn já foi agraciado com esses dois prêmios.
Em 1998, com Manwatcher (Sarava Productions) ele recebeu o GAYVN Awards. Neste filme, sobre voyeurismo, o protagonista, Ferenc Botos, diz que mais do que transar o que ele gosta mesmo de fazer é olhar. O desfecho do ardil sai dos olhos da cara para o olho do cu. É uma dicotomia que em El Rancho se repete com pouca variação, neste a questão resume-se a sonhar ou realizar os sonhos. Comparativamente Manwatcher era um filme com predominância de tipos do leste europeu, em El Rancho Bjorn traz de volta o espírito sexy latino, talvez seja esse mais um motivo da boa recepção em Barcelona. O filme, cuja versão estendida tem 3:15 hs de duração, é uma ousadia, pois raramente estes filmes têm mais de 2:00 hs; os estúdios quando têm muito material gravado costumam dividi-lo em duas partes, como em The Velvet Mafia e Cross Country (Falcon), Justice (Hot House Entertainment), La Dolce Vita (Dimarco/Lucas Film) ou Rocks and Hard Places, do próprio.
Ator, por volta de 1983 Bjorn fez filmes na Falcon (Biker's Liberty, The New Breed e Boots), produtora onde ganhou essa alcunha (seu nome verdadeiro é Robert Russel), diretor, fotógrafo, produtor, roteirista, 50 anos, nasceu na Inglaterra, mas tem um pé no Brasil, onde é considerado o vovô do pornô gay e onde filmou, entre 1988 e 1989, Tropical Heatwave, Champs, Island Fever e Carnival in Rio. Saiu daqui nos anos Collor, foi trabalhar noutras plagas com modelos de várias procedências, criando um estilo world porn. É o tipo de diretor que constrói uma trama que não é simplesmente a emenda de episódios de sexo, são ações que se intercruzam e justapõe-se como fazem diretores com estilo, atendendo a platéias mais exigentes mas na medida certa pra não broxar o pau com inequações da psique e logaritmos de linguagem.
Em El Rancho o motivo que liga as cenas de sexo são a realização dos sonhos. Carlos (Carlos Montenegro), o rancheiro, é casado com Cristina, uma mulher que ele afirma poderia ser o desejo de qualquer homem. Mas com o rabão que ele tem sente falta é de algo que o complete, ou seja, falta de piroca. Usar os sonhos como argumento evita-se o lado maçante da racionalidade que às vezes as obras de ficção pedem. Bem temperados, os filmes de Bjorn apresentam um clima onírico e uma teatralidade real. Como os sonhos são recorrentes no indivíduo, sexo entre homens deve ser o sonho (ou pesadelo) mais recorrente entre os heteros; ao contrário, para os homo, essa é a mais dura realidade. Este filme é altamente recomendado para instruir o leitor hetero, casado com uma mulher gostosa, do quanto é natural pelo menos sonhar dando a bunda. Realizar são outros quinhentos.
Os sonhos de Carlos começam no leito conjugal mesmo, ele se enfastia da mulher e delira com Jean Franko e Tommy Alvarez dando as primeiras leitadas. Que rico, papi! Em algum ponto do inconsciente dele Murat Cipriere e Carlos Dipone fazem uma sacanagenzinha, enquanto Carlos se vê no próprio sonho pegando David Vega pra uma foda. Esse sonho é uma amostra das surubas que vêm a seguir, pois termina com uma que reúne Montenegro, Vega, Cipriere, Dipone, Franko e Alvarez. Franko, com uma cara de cafuçu inigualável, é lindamente gangbangeado, mas a atuação dele é insuficiente pra justificar o prêmio de melhor ator em Barcelona. Melhor papel ele fez, por exemplo, em The School for Lovers (Lucas Kazan Productions), interpretando um improvável preceptor filósofo, o que lhe deu o GAYVN Awards de melhor ator em 2007.
O sonho acaba, o dia amanhece e dois peões, Rocky Oliveira e Peter Paver, já vão para a função. Esta cena é um retrato da desigualdade social latina em matéria de atitude perante o impulso sexual: a peãozada, diferente do patrão, realiza seus desejos em vez de apenas sonhá-los. Os dois vêem a flamejante mulher de Carlos e a desejam, numa atitude caricata de amantes latinos. Oliveira diz a Paver: “Se você fosse ela eu te chuparia assim...” e abocanha uma pica. A contradição se resolve a pau, como sói acontecer entre os latinos, depois enviesam uma foda que entra pela perna do pinto e sai pela perna do pato. Mas aí intervém Ricardo Safado, um brasileiro gigante pela própria natureza que serve os dois de sobra. Fazem um trenzinho homocinético com Safado no meio. Se a dois a coisa estava de viés a três vira de revestréis. Safado tem um rolex mais cobiçado do que o de Luciano Huck. El Rancho é falado em várias línguas, as frases em português são particularmente picantes quando Safado, grande chupador, abre a boca pra falar, parece que se ouve a voz dos morros de Ferréz. Quando abre o cu dá com afinco e ginga como um pandeiro.
No rancho fundo o clima caipira, com cavalos e chapéu de palha, é subitamente substituído por armas e roupas de combate quando a ação que se transfere bem pra lá do fim do mundo onde vivem guerrilheiros fodões. Essa inserção é artifício para deixar o ambiente ainda mais latino, felizmente eles nem de longe lembram os nossos guerrilheiros feios e autoritários. Depois de dar feito uma cachorra, Rocky Oliveira explica que já foi um deles e a câmera começa a mostrar cenas de caserna que, como se sabe, atiça a fantasia de nove entre dez homossexuais. Alex Ferrari e Fabian Andrade fazem a primeira seqüência, Andrade é um negro de cabeça raspada que faz um boquete em Ferrari com muita perícia, Ferrari retribui com uma sentada majestosa na pica preta do amigo. Dois outros guerrilheiros treinam kickboxe, são eles Mike Gonda e Tibor Cernan, atores do leste europeu, hoje, talvez, o maior produto de exportação daqueles países, eles dão uma trepada correta mas quase burocrática. O design da pica de Cernan é curioso, parece um pé-de-cabra, faz um passivo merecedor de uma pica média como a de Gonda. Em seguida os quatro guerrilheiros se reúnem e fazem uma suruba num porão inundado com uma água verde de surpreendente efeito cenográfico. Para criar esse cenário Bjorn deve ter se inspirado na piscina vermelha do Unique Hotel, de São Paulo, ou nos porões do Mercado Modelo, de Salvador, locais onde baianos e paulistanos se jogam. No plano geral e nos detalhes percebe-se o empenho do diretor em usar cenários e indumentárias que fazem a fantasia ir além do ordinário, a composição é aquilo que na língua inglesa classificam de gaudy, um adjetivo que deriva do nome do arquiteto catalão Antoni Gaudí. Coerente pra caralho!
A ação volta ao rancho, os guerrilheiros são deixados na Sierra Maestra de araque. A mulher de Carlos foi às compras e ele recebe uns amigos vaqueiros em casa. Peter Berg, Jorge Ballantinos e Tony Duke fazem logo um tricotê. Berg é um branquelo que dá bonito. Mas logo vem a seqüência da dupla que tá bombando no pornô gay: Daniel Marvin e Pedro Andréas. Marvin, usando chapéu de palha, parece Chico Bento; com o parceiro Andréas eles fazem a única cena bareback do filme, um troca-troca que beira a perfeição. Não foi por acaso que eles foram escolhidos para ilustrarem a capa do DVD, porque dá vontade de meter a mão e levar o volume pra casa. Eles são uma dupla afinada na foda, só têm paralelo nas duplas afinadas na viola, são, até essa data, a maior contribuição dramática ao gênero oriunda do Brasil. Em seguida, numa suruba de cinco, Marvin e Andréas sodomizam Ballantinos, Duke e o branquelo Berg, este agraciado com uma dupla penetração certeira.
No clímax chega o dono da casa, Carlos. Como ele não é nenhum empata-foda, junta-se aos cinco numa punheta coletiva na piscina para encerrar a jornada diária no rancho. No dia seguinte a esposa de Carlos exaspera-se por causa de uma opinião dele a respeito de seu vestido, por esse motivo ele vai a um encontro com os amigos desacompanhado. Então rola a enésima suruba do filme, com Jordi Casal, Alex Brinsky e Matthias Vannelli. Nessa ocasião ele se enrabicha por Jodi e Cristina flagra eles numa situação que explica, finalmente e só pra ela, a causa do fastio sexual de Carlos. Discutir por causa de homem não é o mesmo que discutir por causa de um vestido. Se não me falha a memória ela fica com o vestido.
Inovador, Bjorn criou um timimg, uma estrutura de montagem e ação que lhe são próprias. Criativo, sua obra marca a renovação dos filmes pornô gays dos anos 80. Inquieto, quando as gozadas sem as mãos tornaram-se sua marca, amainou essa incontinência previsível. Entretanto, inserir nesse filme uma personagem feminina num papel arquétipo foi a grande mancada de Bjorn que nem em sonho se justifica. Aquela cachopa dispensável faz desmerecer a entrega do prêmio de melhor roteiro em Barcelona a El Rancho. Entretanto os prêmios de melhor filme e melhor diretor foram perfeitamente justos. O consolo é que não existem obras perfeitas, a imperfeição é o que motiva continuar produzindo-as. Kristen Bjorn já deu muito e espera-se que dê muito mais.
Saiba mais: Acesse o site da produtora Kristen Bjorn.