Vinte anos de incontinência galática
Grande parte da cultura brasileira é um legado dos imigrantes e dos viajantes estrangeiros em contato com a cultura autóctone. Nem mesmo o filme pornô gay brasileiro escapa a essa constatação. Essas relações transculturais nem sempre são feitas da maneira mais harmônica que, presumivelmente, é o que se pretende. Contudo elas não deixam de acontecer há mais de cinco séculos e continuarão acontecendo por muito tempo porque essa cultura não deixou de ser atraente e acolhedora, herdeira da identidade ancestral de uma gente que andava nua e encontrou com uma gente que andava vestida. Da fusão resultante desse encontro surgiu numa população de pouca roupa e pudores nenhum. Foi a gente que andava vestida quem trouxe as festas religiosas, como o Carnaval, que inicia nesta semana. Depois dele vem 40 dias de jejum, um período mais longo que o Ramadã muçulmano ou o Yom Kippur judaico. Por isso os excessos têm de ser compensadores. Se o jejum cristão fosse mais curto talvez os fiéis moderassem no apetite pela carne que antecede a Quaresma. Como o catolicismo tomou nos últimos tempos o destino de tudo que é obsoleto, os fiéis desse grande país católico só praticam os excessos e o jejum, quem diria, virou dieta.
Como quase tudo que vem de fora, também o carnaval, no Brasil, tomou ares e cores locais, mantendo elementos pagãos que em outros lugares desapareceram há muito tempo. No século 20, com a rápida urbanização da população brasileira, amparado na indústria cultural de massa (gravadoras, rádio, cinema e TV), o carnaval transformou-se numa festa popular de grandes proporções. Carmen Miranda, e depois as chanchadas, já haviam iniciado uma tradição de filmes carnavalescos. Quando a censura e os costumes afrouxaram, nos anos de 1980, a nudez deixou de ser obscena e virou cenográfica, os filmes pornôs começaram a se tornar frequentes na produção local. O filme Garganta Profunda foi liberado para exibição no Brasil no começo dessa década e ele não se tornou referência apenas na maneira de como fazer filmes pornôs, mas também de como fazer filmes de baixo orçamento. O primeiro filme pornô hetero brasileiro, Coisas Eróticas, dirigido por Rafaelle Rossi, apareceu em 1982. Oh! Rebuceteio, produzido e dirigido por Cláudio Cunha em 1984, alcançou razoável sucesso de público e até de crítica. A Quinta Dimensão do Sexo (1983), dirigido por José Mojica Marins, o Zé do Caixão, não pode ser considerado como o primeiro filme pornô gay brasileiro, como afirma Erik J. Borges em matéria de A Capa, porque nele não há cena de sexo entre homens.
Quem teve essa primazia foi um diretor, fotógrafo e produtor estrangeiro que ,por essa época, já havia feito nos Estados Unidos alguns filmes pornôs para uma produtora que acabava de ser criada, nada menos que a Falcon. Seu nome: Kristen Bjorn, nascido na Inglaterra em 1957. Algumas fontes afirmam que seu nome verdadeiro é Robert Russel e que veio ao Brasil como fotógrafo contratado da revista National Geographic. Os fatos da vida de Bjorn são controversos e inexatos, espera-se que algum dia ele mesmo forneça sua própria versão. O certo é que por essa época os clássicos do filme pornô gay e hétero já haviam sido lançados e Bjorn, então por volta dos trinta anos, chegou ao Brasil atuando atrás das câmeras depois de ter aparecido na frente delas como Kris Bjorn em Biker's Liberty (Falcon, 1982) e The New Breed (Falcon, 1983), ambos dirigido pelo lendário Matt Sterling.
No Brasil ele encontrou um ambiente favorável à realização dos filmes pornôs que até então importávamos da Europa e dos EUA, ou seja, falta de concorrência, muitos homens bonitos, boas locações, baixos custos de produção e um mercado gay efervescente. O primeiro filme realizado por Bjorn no Brasil foi Tropical Heatwave, realizado em 1988, um ano antes de Carnaval in Rio, este sim, pode ser considerado o primeiro pornô gay brasileiro, do qual se tem notícia, porque ele contém cenas de sexo explícito enquanto Tropical Heatwave tem apenas seis cenas solo de masturbação. Neste ano de 2009, em que se comemoram vinte carnavais da realização de Carnaval in Rio faz-se necessário rever esta realização histórica, e a época é mais que oportuna.
No final dos anos 80 o vídeo cassete havia disseminado o hábito de escolher os filmes para assistir na TV de casa e a grande procura era por filmes pornográficos. A indústria erótica já estava lucrando com este mercado doméstico quando ainda nem havia deixado de contar com as salas de exibição, embora estas já tivessem se tornado um mercado secundário. Mas nem tudo eram flores, havia apenas alguns anos que a AIDS aparecera e com ela o risco de contaminação nos filmes obrigou a adoção chocante das camisinhas. O primeiro filme pornô gay feito no Brasil é exemplar de sua época não apenas na moda e os hábitos correntes, mas também quanto à novidade que era o uso ainda não popularizado do preservativo, que só aparece em algumas cenas. A dublagem, com sotaque carioca, e a forma de captação das imagens, em vídeo, também são exemplares das técnicas daquele período.
Carnaval in Rio inicia com cenas panorâmicas e aéreas mostrando a montanha, o céu, o mar da baía de Guanabara. O áudio é uma batucada eletrônica, não há som direto. As cenas de sexo, em que Kristen Bjorn, como fotógrafo, opera a câmera, já antecipam o estilo que consagrou o diretor nos filmes que ele fez mais tarde em outros países: ejaculações abundantes e múltiplas na mesma sequência, marcação precisa das posições dos atores que fazem as cenas tão posadas quanto aulas de modelo vivo da Academia de Belas Artes.
A primeira sequência é pré-carnavalesca, praieira. A câmera aérea da abertura desce até Ipanema, ponto tradicional de pegação gay da Zona Sul da cidade. Na avenida Vieira Souto aparece um tipo galã (Sergio Callucci) dirigindo um MP Lafer que seduz um surfista (Luciano Pereira) na areia e um motoqueiro (Braulio Duarte) no asfalto. Dali os leva para uma suruba numa casa que, pela aconchegante lareira, pode ser na serra de Petrópolis. Como a atenção está muito focada nos aspectos da geografia humana, a brusca mudança de ambiente (praia-montanha) na mesma sequência, é uma maneira eficiente de Bjorn mostrar a variedade da geografia física da cidade. Sergio Callucci, Luciano Pereira e Braulio Duarte foram os modelos escolhidos para fazer a foto da capa do filme.
O carnaval só vai aparecer entre a primeira e a segunda sequência, mostrando um bloco, possivelmente a Banda de Ipanema, com algumas figuras anônimas, cômicas, pintosas, e entre eles dois bofes de sunga (Renato Soares e Erico Ventania) que escapam da multidão para a intimidade de um apartamento da redondeza. Enquanto o samba rola lá fora, eles transam vendo a paisagem da janela numa harmonia de casal que não existe em surubas, que tantas vezes aborrecem pelo excesso de focos.
O carnaval reaparece entre esta sequência e a próxima, mostrando o Sambódromo de Niemeyer, que tinha sido inaugurado poucos anos antes, e nele uma escola de samba desfilando. Entre os passistas a câmera focaliza dois que, em seguida, são mostrados ainda fantasiados, fudendo num cafofo do centro do Rio, nesta que é a melhor sequência do filme inteiro porque há um criôlo magnífico, bigodudo, de pau imenso (Caio Amaral), comendo um branquelo do cu inicialmente pequeno (Gilvan Couto). Os dois esporram tantas vezes que se perde a conta nesta que pode ser considerada um recorde de gozadas para numa única sequência de dupla. Teve início, com Caio Amaral e Gilvan Couto, a incontinência galática que se incorporou ao estilo do diretor.
Para finalizar o filme, Bjorn escreveu e filmou uma situação pós-carnavalesca de pegação na feira. Os cariocas vão ali para comprar o peixe da quarta-feira de cinzas e outros acepipes que repõe as energias consumidas pela folia. Dois rapazes (Guto Nascimento e Rogério Proença) encontram-se na banca de bananas e acabam fazendo uma salada de ‘frutas’ com mais dois (Reginaldo Prado e Sérgio Callucci). Os quatro fazem uma suruba tendo ao fundo a mata, sacadas, móveis e janelas que lembram o tempo do Imperador, que por motivos outros, ganhou a alcunha de Pedro Banana. Pelos séculos seguintes, informalmente, essa fruta foi incorporada às Armas Nacionais.
Bjorn é do tipo de diretor que compõe uma obra que não é simplesmente a soma de episódios de sexo, são ações que se intercruzam e se justapõem como fazem diretores que tem algo a dizer. O pornófilo que for assistir ao filme deve desconsiderar a qualidade da imagem e do áudio de um filme realizado em 1989 em relação os filmes feitos hoje e observar que o gosto pelos cenários exóticos, pela mobília pesada, pelo corpo escultural e posado, pelo roteiro mínimo e eficiente, já estão presentes na primeira obra do diretor, o que leva a supor que também já estivessem presentes nos ensaios fotográficos que, afirmam, ele fez para revistas americanas de nus masculinos. O clima leve e por vezes romântico dos filmes de Bjorn não deixa de ter semelhança com o de outros diretores europeus, como Jean-Daniel Cadinot (1944-2008). Recordem que Le Voyage à Venise (1986), do diretor francês, filme italiano e carnavalesco, havia sido lançado apenas três anos antes e Tequila, filmado no México, a única incursão latino-americana do diretor, seria filmado apenas três anos depois. Tal constatação leva a crer que alguns diretores influenciam-se mutuamente.
Bjorn é um diretor que não registra apenas os tipos físicos, mas foi também sensível às particularidades que existem na cultura brasileira. Ao mostrar uma feira livre, a cena de sedução com Renato Soares junto à pipoqueira e tendo ao fundo uma família carioca, ele dá relevo a aspectos de uma vida em que a privacidade doméstica e a convivência nas ruas se confundem. Também é hábil no registro das subjetividades do olhar, das sutilezas e ousadias de um jogo de sedução não totalmente consentida numa sociedade que não deixou de ser machista e conservadora. Em retrospecto, obra de Kristen Bjorn desde Carnaval in Rio até Action! (2009), seu último filme, se insere num momento em que as fronteiras nacionais afrouxaram, 1989 é o ano da queda do Muro de Berlim e os anos seguintes, até a recente crise econômica mundial, foi um período favorável à livre circulação de pessoas e mercadorias, naquilo que se convencionou chamar de “globalização”.
Ao deixar o Brasil, em 1990, por motivos até hoje não bem esclarecidos, Bjorn já havia inserido o país no sistema de produção e consumo de pornô gay planetário, contudo sua ausência descontinuou uma produção que estava nascendo e que tinha condições de prosperar. Não se teve mais notícia, por exemplo, dos atores Sérgio Callucci, Luciano Pereira, Caio Amaral, Gilvan Couto, Reginaldo Prado, Guto Nascimento e Rogério Proença, todos eles de inegável talento. Braulio Duarte, Erico Ventania e Renato Soares ainda fizeram mais um filme e também desapareceram. Somente alguns anos depois, com a Pau Brasil Produções e a Ícaro Studios, surgiram produtoras no Brasil com propósitos profissionais relevantes e lançamentos regulares, com esta última fazendo filmes carnavalescos (Carna Gay, Aconteceu no Carnaval).
As circunstâncias que impossibilitaram a permanência de Bjorn no Brasil favoreciam seu papel de um diretor do mundo. A partir de então, grosso modo, sua carreira pode ser dividida por períodos, dependendo das locações das filmagens, em Brasileiro, Australiano, Leste Europeu e Mediterrâneo, sempre considerando que esses períodos se confundem porque o que parece inspirar o seu trabalho é a antiguidade clássica dos deuses olímpicos e outros heróis que tiveram origem e foram cultuados na bacia do Mediterrâneo. Bjorn filmou cenas de sexo em locações e clima cujos exemplos mais antigos, captados pelas lentes do amor, foram feitos por Guilherme Plüschow (1852 – 1930) e por Guilherme von Gloeden (1856 – 1931).
Bjorn trabalhou nas duas últimas décadas lançando em média 2 filmes por ano, assumindo várias funções nas equipes, mas sem voltar a atuar. O nível profissional de seu trabalho o coloca entre os grandes diretores do pornô gay de todos os tempos e seria desnecessário fazer uma lista dos seus maiores sucessos, dos prêmios que recebeu, das influências que exerceu sobre outros diretores e dos inúmeros talentos que revelou ao mundo. Nesses vinte anos de carreira, a presença de atores brasileiros nos seus filmes, a exemplo de Victor Cowboy, Julio Vidal, Daniel Marvin, Pedro Andréas, Ricardo Safado, Rock de Oliveira e o estreante Marko Brenos, entre outros, leva a concluir que, longe do Brasil, Kristen Bjorn levou consigo tudo aquilo que pôde levar.
Saiba Mais:
Grande parte da cultura brasileira é um legado dos imigrantes e dos viajantes estrangeiros em contato com a cultura autóctone. Nem mesmo o filme pornô gay brasileiro escapa a essa constatação. Essas relações transculturais nem sempre são feitas da maneira mais harmônica que, presumivelmente, é o que se pretende. Contudo elas não deixam de acontecer há mais de cinco séculos e continuarão acontecendo por muito tempo porque essa cultura não deixou de ser atraente e acolhedora, herdeira da identidade ancestral de uma gente que andava nua e encontrou com uma gente que andava vestida. Da fusão resultante desse encontro surgiu numa população de pouca roupa e pudores nenhum. Foi a gente que andava vestida quem trouxe as festas religiosas, como o Carnaval, que inicia nesta semana. Depois dele vem 40 dias de jejum, um período mais longo que o Ramadã muçulmano ou o Yom Kippur judaico. Por isso os excessos têm de ser compensadores. Se o jejum cristão fosse mais curto talvez os fiéis moderassem no apetite pela carne que antecede a Quaresma. Como o catolicismo tomou nos últimos tempos o destino de tudo que é obsoleto, os fiéis desse grande país católico só praticam os excessos e o jejum, quem diria, virou dieta.
Como quase tudo que vem de fora, também o carnaval, no Brasil, tomou ares e cores locais, mantendo elementos pagãos que em outros lugares desapareceram há muito tempo. No século 20, com a rápida urbanização da população brasileira, amparado na indústria cultural de massa (gravadoras, rádio, cinema e TV), o carnaval transformou-se numa festa popular de grandes proporções. Carmen Miranda, e depois as chanchadas, já haviam iniciado uma tradição de filmes carnavalescos. Quando a censura e os costumes afrouxaram, nos anos de 1980, a nudez deixou de ser obscena e virou cenográfica, os filmes pornôs começaram a se tornar frequentes na produção local. O filme Garganta Profunda foi liberado para exibição no Brasil no começo dessa década e ele não se tornou referência apenas na maneira de como fazer filmes pornôs, mas também de como fazer filmes de baixo orçamento. O primeiro filme pornô hetero brasileiro, Coisas Eróticas, dirigido por Rafaelle Rossi, apareceu em 1982. Oh! Rebuceteio, produzido e dirigido por Cláudio Cunha em 1984, alcançou razoável sucesso de público e até de crítica. A Quinta Dimensão do Sexo (1983), dirigido por José Mojica Marins, o Zé do Caixão, não pode ser considerado como o primeiro filme pornô gay brasileiro, como afirma Erik J. Borges em matéria de A Capa, porque nele não há cena de sexo entre homens.
Quem teve essa primazia foi um diretor, fotógrafo e produtor estrangeiro que ,por essa época, já havia feito nos Estados Unidos alguns filmes pornôs para uma produtora que acabava de ser criada, nada menos que a Falcon. Seu nome: Kristen Bjorn, nascido na Inglaterra em 1957. Algumas fontes afirmam que seu nome verdadeiro é Robert Russel e que veio ao Brasil como fotógrafo contratado da revista National Geographic. Os fatos da vida de Bjorn são controversos e inexatos, espera-se que algum dia ele mesmo forneça sua própria versão. O certo é que por essa época os clássicos do filme pornô gay e hétero já haviam sido lançados e Bjorn, então por volta dos trinta anos, chegou ao Brasil atuando atrás das câmeras depois de ter aparecido na frente delas como Kris Bjorn em Biker's Liberty (Falcon, 1982) e The New Breed (Falcon, 1983), ambos dirigido pelo lendário Matt Sterling.
No Brasil ele encontrou um ambiente favorável à realização dos filmes pornôs que até então importávamos da Europa e dos EUA, ou seja, falta de concorrência, muitos homens bonitos, boas locações, baixos custos de produção e um mercado gay efervescente. O primeiro filme realizado por Bjorn no Brasil foi Tropical Heatwave, realizado em 1988, um ano antes de Carnaval in Rio, este sim, pode ser considerado o primeiro pornô gay brasileiro, do qual se tem notícia, porque ele contém cenas de sexo explícito enquanto Tropical Heatwave tem apenas seis cenas solo de masturbação. Neste ano de 2009, em que se comemoram vinte carnavais da realização de Carnaval in Rio faz-se necessário rever esta realização histórica, e a época é mais que oportuna.
No final dos anos 80 o vídeo cassete havia disseminado o hábito de escolher os filmes para assistir na TV de casa e a grande procura era por filmes pornográficos. A indústria erótica já estava lucrando com este mercado doméstico quando ainda nem havia deixado de contar com as salas de exibição, embora estas já tivessem se tornado um mercado secundário. Mas nem tudo eram flores, havia apenas alguns anos que a AIDS aparecera e com ela o risco de contaminação nos filmes obrigou a adoção chocante das camisinhas. O primeiro filme pornô gay feito no Brasil é exemplar de sua época não apenas na moda e os hábitos correntes, mas também quanto à novidade que era o uso ainda não popularizado do preservativo, que só aparece em algumas cenas. A dublagem, com sotaque carioca, e a forma de captação das imagens, em vídeo, também são exemplares das técnicas daquele período.
Carnaval in Rio inicia com cenas panorâmicas e aéreas mostrando a montanha, o céu, o mar da baía de Guanabara. O áudio é uma batucada eletrônica, não há som direto. As cenas de sexo, em que Kristen Bjorn, como fotógrafo, opera a câmera, já antecipam o estilo que consagrou o diretor nos filmes que ele fez mais tarde em outros países: ejaculações abundantes e múltiplas na mesma sequência, marcação precisa das posições dos atores que fazem as cenas tão posadas quanto aulas de modelo vivo da Academia de Belas Artes.
A primeira sequência é pré-carnavalesca, praieira. A câmera aérea da abertura desce até Ipanema, ponto tradicional de pegação gay da Zona Sul da cidade. Na avenida Vieira Souto aparece um tipo galã (Sergio Callucci) dirigindo um MP Lafer que seduz um surfista (Luciano Pereira) na areia e um motoqueiro (Braulio Duarte) no asfalto. Dali os leva para uma suruba numa casa que, pela aconchegante lareira, pode ser na serra de Petrópolis. Como a atenção está muito focada nos aspectos da geografia humana, a brusca mudança de ambiente (praia-montanha) na mesma sequência, é uma maneira eficiente de Bjorn mostrar a variedade da geografia física da cidade. Sergio Callucci, Luciano Pereira e Braulio Duarte foram os modelos escolhidos para fazer a foto da capa do filme.
O carnaval só vai aparecer entre a primeira e a segunda sequência, mostrando um bloco, possivelmente a Banda de Ipanema, com algumas figuras anônimas, cômicas, pintosas, e entre eles dois bofes de sunga (Renato Soares e Erico Ventania) que escapam da multidão para a intimidade de um apartamento da redondeza. Enquanto o samba rola lá fora, eles transam vendo a paisagem da janela numa harmonia de casal que não existe em surubas, que tantas vezes aborrecem pelo excesso de focos.
O carnaval reaparece entre esta sequência e a próxima, mostrando o Sambódromo de Niemeyer, que tinha sido inaugurado poucos anos antes, e nele uma escola de samba desfilando. Entre os passistas a câmera focaliza dois que, em seguida, são mostrados ainda fantasiados, fudendo num cafofo do centro do Rio, nesta que é a melhor sequência do filme inteiro porque há um criôlo magnífico, bigodudo, de pau imenso (Caio Amaral), comendo um branquelo do cu inicialmente pequeno (Gilvan Couto). Os dois esporram tantas vezes que se perde a conta nesta que pode ser considerada um recorde de gozadas para numa única sequência de dupla. Teve início, com Caio Amaral e Gilvan Couto, a incontinência galática que se incorporou ao estilo do diretor.
Para finalizar o filme, Bjorn escreveu e filmou uma situação pós-carnavalesca de pegação na feira. Os cariocas vão ali para comprar o peixe da quarta-feira de cinzas e outros acepipes que repõe as energias consumidas pela folia. Dois rapazes (Guto Nascimento e Rogério Proença) encontram-se na banca de bananas e acabam fazendo uma salada de ‘frutas’ com mais dois (Reginaldo Prado e Sérgio Callucci). Os quatro fazem uma suruba tendo ao fundo a mata, sacadas, móveis e janelas que lembram o tempo do Imperador, que por motivos outros, ganhou a alcunha de Pedro Banana. Pelos séculos seguintes, informalmente, essa fruta foi incorporada às Armas Nacionais.
Bjorn é do tipo de diretor que compõe uma obra que não é simplesmente a soma de episódios de sexo, são ações que se intercruzam e se justapõem como fazem diretores que tem algo a dizer. O pornófilo que for assistir ao filme deve desconsiderar a qualidade da imagem e do áudio de um filme realizado em 1989 em relação os filmes feitos hoje e observar que o gosto pelos cenários exóticos, pela mobília pesada, pelo corpo escultural e posado, pelo roteiro mínimo e eficiente, já estão presentes na primeira obra do diretor, o que leva a supor que também já estivessem presentes nos ensaios fotográficos que, afirmam, ele fez para revistas americanas de nus masculinos. O clima leve e por vezes romântico dos filmes de Bjorn não deixa de ter semelhança com o de outros diretores europeus, como Jean-Daniel Cadinot (1944-2008). Recordem que Le Voyage à Venise (1986), do diretor francês, filme italiano e carnavalesco, havia sido lançado apenas três anos antes e Tequila, filmado no México, a única incursão latino-americana do diretor, seria filmado apenas três anos depois. Tal constatação leva a crer que alguns diretores influenciam-se mutuamente.
Bjorn é um diretor que não registra apenas os tipos físicos, mas foi também sensível às particularidades que existem na cultura brasileira. Ao mostrar uma feira livre, a cena de sedução com Renato Soares junto à pipoqueira e tendo ao fundo uma família carioca, ele dá relevo a aspectos de uma vida em que a privacidade doméstica e a convivência nas ruas se confundem. Também é hábil no registro das subjetividades do olhar, das sutilezas e ousadias de um jogo de sedução não totalmente consentida numa sociedade que não deixou de ser machista e conservadora. Em retrospecto, obra de Kristen Bjorn desde Carnaval in Rio até Action! (2009), seu último filme, se insere num momento em que as fronteiras nacionais afrouxaram, 1989 é o ano da queda do Muro de Berlim e os anos seguintes, até a recente crise econômica mundial, foi um período favorável à livre circulação de pessoas e mercadorias, naquilo que se convencionou chamar de “globalização”.
Ao deixar o Brasil, em 1990, por motivos até hoje não bem esclarecidos, Bjorn já havia inserido o país no sistema de produção e consumo de pornô gay planetário, contudo sua ausência descontinuou uma produção que estava nascendo e que tinha condições de prosperar. Não se teve mais notícia, por exemplo, dos atores Sérgio Callucci, Luciano Pereira, Caio Amaral, Gilvan Couto, Reginaldo Prado, Guto Nascimento e Rogério Proença, todos eles de inegável talento. Braulio Duarte, Erico Ventania e Renato Soares ainda fizeram mais um filme e também desapareceram. Somente alguns anos depois, com a Pau Brasil Produções e a Ícaro Studios, surgiram produtoras no Brasil com propósitos profissionais relevantes e lançamentos regulares, com esta última fazendo filmes carnavalescos (Carna Gay, Aconteceu no Carnaval).
As circunstâncias que impossibilitaram a permanência de Bjorn no Brasil favoreciam seu papel de um diretor do mundo. A partir de então, grosso modo, sua carreira pode ser dividida por períodos, dependendo das locações das filmagens, em Brasileiro, Australiano, Leste Europeu e Mediterrâneo, sempre considerando que esses períodos se confundem porque o que parece inspirar o seu trabalho é a antiguidade clássica dos deuses olímpicos e outros heróis que tiveram origem e foram cultuados na bacia do Mediterrâneo. Bjorn filmou cenas de sexo em locações e clima cujos exemplos mais antigos, captados pelas lentes do amor, foram feitos por Guilherme Plüschow (1852 – 1930) e por Guilherme von Gloeden (1856 – 1931).
Bjorn trabalhou nas duas últimas décadas lançando em média 2 filmes por ano, assumindo várias funções nas equipes, mas sem voltar a atuar. O nível profissional de seu trabalho o coloca entre os grandes diretores do pornô gay de todos os tempos e seria desnecessário fazer uma lista dos seus maiores sucessos, dos prêmios que recebeu, das influências que exerceu sobre outros diretores e dos inúmeros talentos que revelou ao mundo. Nesses vinte anos de carreira, a presença de atores brasileiros nos seus filmes, a exemplo de Victor Cowboy, Julio Vidal, Daniel Marvin, Pedro Andréas, Ricardo Safado, Rock de Oliveira e o estreante Marko Brenos, entre outros, leva a concluir que, longe do Brasil, Kristen Bjorn levou consigo tudo aquilo que pôde levar.
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